quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Aliança agroflorestal

Tem que ser com amor, ensinava ontem Antonio Caxixa, morador da Reserva Extrativista do Alto Juruá, inventivo agroflorestal formado por meio de oportunidades diversas na vida e fundamentalmente por seu próprio empenho e criatividade. Estávamos – participantes de uma Oficina de Agrofloresta no Centro de Formação Yorenka Ãtame – aprendendo como plantar uma muda de coco da praia. Caxixa mostrava como cortar as raízes da muda antes de colocá-la na terra e nos orientava como segurar o coco para não ofender as palhas.

Dali partimos para um local, uma parcela de terra pequena, em torno de 5 por 8 metros, e Benki indicou inicialmente os locais onde as mudas de coco (num total de três) poderiam ser plantadas. Como fazê-lo? Estava eu interessadíssima no assunto: mais um passo nos meus planos futuros de ter um dia uma propriedade com muitos pés de coco. Pois bem, aprendi que, escolhido o local, uma cova de meio metro de fundura deve ser cavada, sendo seu diâmetro também de 50 centímetros. Feito isso, a cova deve ser toda preenchida com terra estrumada (com cinza, esterco ou outro paú) e o coco plantado sem que seu “cólo” (da onde saem as palhas) seja inteiramente coberto. Última etapa: cobrir a terra em volta do coco com capim para que o sol não judie da muda recém-transplantada ou a chuva não a encharque impiedosamente.

Mas não paramos por aí. O objetivo era formar um início de Sistema Agroflorestal e Benki logo apareceu com outras mudas para dar continuidade à atividade de plantio. Ali, naquele pedaço de chão, cerca de meia hora depois, além dos cocos, já estavam plantados pés de pupunha, açaí, acerola e uma jabuticaba. Que coisa bacana, pensei, se esta moda pega... É um pouco este o objetivo da Oficina, embora moda talvez não seja o melhor termo, pois que passageira: é mais um modo de bem-viver que possa ser compartilhado pelos moradores indígenas e não-indígenas do Alto Juruá.

Como se sabe, a região do Alto Juruá, riquíssima na sua diversidade biológica e cultural, tem estado ameaçada por vários fatores, desde a exploração madeireira peruana que entra pela fronteira brasileira, invadindo Terras Indígenas e a Reserva; o tráfico de drogas, que tem na região algumas de suas rotas, assustando muitas famílias residentes em especial no rio Amônia; a expansão da pecuária na Reserva e seus consequentes desmatamentos, que por sua vez ameaçam os recursos hídricos; a criação de vilas no meio da floresta, impactando fortemente as tradicionais formas de ocupação do território e de uso dos recursos; a hipertrofia da influência do poder público municipal e a concomitante atrofia da força institucional das associações locais de moradores, agravada pela ausência do ICMBio/Ibama na região. O rosário é grande e não é o caso de o desfiar agora. Vamos antes às oportunidades e boas novas.

Índios, seringueiros e agricultores moradores da região começam a perceber que novas alternativas precisam ser criadas para a vida na região. Ouvi vários moradores duvidando do gado como uma alternativa realmente vantajosa, embora eles mesmos tenham investido nesta opção. Contudo, observam, os desmatamentos estão excessivos, não dá pra negar, e, afinal, está-se dentro de uma Reserva; os igarapés estão secando, a terra ficando dura como barro; e o rendimento auferido com o gado é no longo prazo e com muito investimento. Estas ponderações, estas dúvidas sobre que caminho seguir, são salutares e também portas de entrada para novas idéias e práticas.

Por meio de lideranças locais, de mediadores e aliados de longa data, da Yorenka Ãtame e de apoio financeiro externo governamental e não, um arco de alianças quer se firmar. Esta aliança é fundamentalmente entre quem tem mais a ganhar junto e muito a perder cada um por si: as populações locais. Alguém disse: “morar perto não é o mesmo que ser vizinho”. A construção desta vizinhança potencializa o agroflorestalismo como uma prática econômica e ambiental, e também como uma ação social e política.

Ver esta conversa acontecer, com seus impasses, diferenças e sinergias é algo que estimula e põe lenha na chama da minha esperança – que anda meio bruxuleante, como se sabe.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Quando eu envelhecer...

... quero ser que nem o seu Antonio de Paula.
Seu Antonio de Paula fez 80 anos no dia 12 de janeiro passado. Cearense de nascimento, na década de 50 veio para o Acre destinado aos seringais do Tarauacá. Foi desta feita, em Manaus, onde passou uma semana, que provou o guaraná Baré pela primeira vez, conforme contei na postagem anterior. No Acre, aportou primeiro no seringal Alagoas, mas logo mudou-se para as águas do Bagé, afluente do Tejo, no Alto Juruá. Lá, seu Antonio se casou e criou família. Morou, muito tempo depois, no rio Azul, afluente do rio Moa, e depois mudou-se para Cruzeiro do Sul, época em que tornou-se um agente de saúde. Desde 1990 envolveu-se com os trabalhos da Reserva Extrativista, primeiro na Cooperativa, depois coordenando um projeto de saúde por uma década.

Ah, seu Antonio tem história! Aqui, foi só um pedacinho, bem pequenininho. Um aluno meu, o Izonel, está pesquisando a vida do seu Antonio como material central de sua monografia. Cultivo a idéia de editar um livro contando a história do seu Antonio, por ele mesmo, com fotos e documentos. Este plano está na gaveta, prester a vir à tona. O seu Antonio merece.

Esses dias, aqui na Yorenka Ãtame, o seu Antonio foi um companheiro de atividade que já deixou saudades, pois hoje cedo ele voltou para Cruzeiro. Nesses quase quatro dias que passamos juntos, seu Antonio cantou muito e contou casos até não mais poder. É, seu Antonio é um cantor de mão cheia, tem um repertório do fundo do baú, daquele baú de bom gosto, claro. Bolero, samba-canção, hoje até uns belos hinos evangélicos ele tirou da cartola! Verinha pediu e ele por diversas vezes ele cantou “Maria Bonita”, aquela canção que o Caetano até gravou no CD “Fina Estampa”. Um deleite na voz melodiosa do seu Antonio, só ouvindo! Até hoje lembro vivamente, e não sou só eu, das reuniões que fazíamos na foz do Tejo e que, por volta das cinco e meia da manhã, seu Antonio nos acordava com sua inconfundível cantoria.

Um contador de casos, e também piadas. Passei esses dias ouvindo histórias dos antigos, casos engraçados, dando muita risada junto com todos que ouviam. E quando se animava, seu Antonio emendava um caso no outro, uma piada na outra, e vamos embora! Além de sua prodigiosa e invejável memória – algo digno de nota – essas histórias traziam à luz personagens já desaparecidos, veteranos dos seringais, seringueiros e patrões, nomes desconhecidos do público mas que nas narrativas de seu Antonio recebiam uma última homenagem.

O considero um grande e querido amigo, e uma coisa bacana de ver é o quanto outros que o conhecem nutrem um sentimento parecido, gostam de estar com ele, ficam felizes com sua presença. É muito bacana ver o respeito que ele desfruta por parte de pessoas de sua mesma idade e de mais jovens também. Ele tem um belo patrimônio: a bem-querença de todos. Ele disse algo assim: “eu sou feliz, sou feliz porque eu não guardo ressentimento”. Isso é uma sabedoria, isso dá uma leveza. Seu Antonio parece um passarinho-cantor daqueles que a gente se alegra quando aparece. Quero ter esta sabedoria quando eu for uma velhinha, uma velhinha-passarinha.

sábado, 20 de setembro de 2008

No Novo Mundo...

O vôo para Marechal Thaumaturgo foi tranquilo, sem sobressaltos, afora a fumaça que era grande. O tempo todo a paisagem esteve enevoada. Parece que o povo começou a tocar fogo por agora.

É verdade, está calor, e os dias calorosos e ventosos são muito bons para tocar fogo no roçado, aprendi com meus amigos seringueiros, que anualmente colocam seus roçados na floresta. Esses roçados, anteriormente esparsados no sistema antigo das colocações, com cada família manejando uma parcela da floresta, parecem agora estar aumentando, principalmente porque as pessoas moram mais concentradas em “comunidades” e, para viver, já criam mais gado e plantam mais. Uma pequena contribuição, é verdade, ao aquecimento global. E é louco quando observamos que a falta de uma política consistente e eficaz para o extrativismo ou pagamento de serviços ambientais – noutras palavras, uma forma de garantir que quem está na floresta possa lá viver com e da floresta – é grandemente responsável por isso.

Pois é, no calor das ruas de Thaumaturgo, que tem poucas árvores e te obriga a andar largas distâncias no sol, as sombrinhas foram as armas que Verinha e eu encontramos para transitar para lá e para cá – que foi o que fizemos hoje, junto com seu Antonio de Paula, que veio conosco, e nossos estimados amigos Francisco e Benki Pianko. Estamos preparando-nos para uma atividade no Centro de Formação Yorenka Antame, criado e gerido pela Apiwtxa, associação dos Ashaninka do rio Amônia.

Algumas coisas a contar, curiosidades do dia. No almoço, tomamos guaraná Baré, refrigerante da Antártica que é encontrado aqui por essas bandas do Juruá, embora hoje tenhamos descoberto que no Ruizão, em Rio Branco, ali no Aviário, tem também. O que tomamos hoje veio já numa peti de dois litros, mas em Cruzeiro encontramos em garrafa de vidro e aquelas tampinhas de metal, à moda antiga (chapinha, acho que chamava). Antigo é o conhecimento que seu Antonio de Paula, velho soldado da borracha, tem com o Baré. Hoje nos contou que quando veio para o Acre, há 58 anos atrás, passando por Manaus tomou seu primeiro Baré – e o gosto, certifica, era igualzinho!

Outra coisa merece uma nota. Aqui, por essas bandas de seringal, “o menino” é quase que uma instituição. Precisa ir na farmácia comprar algo, “o menino” vai; quer uma cervejinha para o almoço e tem que comprar no bar vizinho, “o menino” vai lá comprar pra você; esqueceu o caderno debaixo da rede e a reunião já vai começar, “o menino” pega, pode deixar. Claro que o “o menino” é encarnado por vários meninos que miraculosamente estão sempre por perto na hora de precisão. E se não estão, você grita: “ô, meninooooo!”, e ele aparece. “O menino” em alguns casos pode assumir a forma de “a menina”, mas este caso talvez seja menos institucionalizado.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Do Velho Mundo ao Novo Mundo

Transições podem não ser muito fáceis. Esta aterrisagem no Acre está sendo bem intensa, e acho que por isso estou há tanto tempo sem escrever e hoje o faço não sem resistência. Há cada dia sinto-me mais "aterrada", o que é reconfortante. As referências familiares vão se tornando mais presentes e dando sentido as coisas em volta. Nos dois primeiros dias, parecia que estava sonhando: como se fosse acordar a qualquer momento (para estar aonde não sei). Tentando manter a tranquilidade interior - pois a coisa toda por vezes pode ser bem desconfortável - uma das idéias que tive é que se trata da passagem de um movimento de expansão (Rio Branco - Acre - Brasil - América - Atlântico - Europa - França - Paris), e tudo novo que ele traz (como a "dimensão de mundo" de que já falei aqui), para um outro, oposto, de concentração, invertendo o movimento: de Paris a Rio Branco. Então, estava lá descobrindo que o mundo é grande mesmo e retornei para o meu mundo, nem grande nem pequeno, mas de fronteiras mais recortadas. Uma mudança de ponto de vista, digamos, operada por mim mesma, uma espécie de viagem xamânica as minhas próprias visões de mundo. Fiquei meio zonza com todos esses mundos.

Cheguei com tudo acontecendo: providências domésticas, carteira de motorista vencendo, aulas na UFAC começando e os projetos com atividades marcadas. Filtrei o máximo que consegui para poder me poupar minimamente - e quem sabe até curtir a falta de referência que por vezes ameaçava se instalar - mas este universo que me é mais familiar e caro não estava muito disposto a me dar folga. Depois de quase 50 dias fora, ainda precisa de mais tempo? Ora, ora, 'bora cuidar! Mas eu sou boa de rebolado, e ganhei um tempinho aqui e ali. Nesta vitória, parece até feitiço contra a feiticeira, inclui uma licença na UFAC para uma viagem de campo...

Pois é, estou agora em Cruzeiro do Sul. Amanhã sigo viagem para Marechal Thaumaturgo. Do Velho ao Novo Mundo mesmo, agora sem nenhum perspectivismo. Da Civilização para a Selva. Engraçado isso: vim da terra dos colonizadores e vou para a dos colonizados, no caso o alto rio Juruá, região nativa de povos indígenas que no século XIX começaram a receber os brancos chegantes. Muita água rolou, e os brancos que hoje habitam lá, descendentes em sua maioria destes povos nativos e de nordestinos migrantes, mantém relações tensas e contraditórias com seus vizinhos indígenas e a sociedade nacional-mundial a que pertencem.

Parece que na Yorenka Antame tem internet. Se tiver, vou tentar postar de lá.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Tribos urbanas

Chove no Rio desde ontem. Aquela chuvinha fina e que não pára. Tempo ideal para ficar em casa, lendo, dormindo, estudando, ouvindo música, escrevendo, enfim, aquela atividade concentrada gostosa. Pois é, mas tive que ir ao centro do Rio resolver umas coisas. Passei pelo centro e depois pelo Largo do Machado e Catete, dois bairros intermediários entre o centro a zona sul carioca. Não tive coragem de fotografar, mas vi coisas, atravessei fronteiras.

O centro do Rio está muito degradado. E já foi tão agradável! Hoje é um festival de camelôs e camelódromos, por todo canto. Muita gente andando, muita. Naquele aperto da chuva, guarda-chuva em punho, uma primeira cena chamou minha atenção: um homem, um mendigo, cujos pés eram negros, e que olhei para conferir se era um sapato, mas não, eram os pés mesmo, ele estava descalso. As calças compridas cobriam parte dos pés, arrastavam no chão, mas deu para ver os dedos e as negras unhas, que eram como patas. Foi forte, pois não vi um pé, e sim outra coisa.

Depois, no Largo do Machado, vi pessoas pedindo dinheiro na rua. Uns andando, outros no chão. Vi um negro, um senhor, que abordou outro senhor, branco, bem limpo e vestido, que só conseguiu reagir fingindo que não havia ninguém falando com ele. Duro de ver. Prometi a mim mesma que não procederia da mesma forma (mas já devo ter feito isso algum dia). Depois, em frente a uma drogaria mega que tem aqui (tal de "vovó Pacheco"), um rapaz comendo um sanduíche sujo com uma mão bem suja, unhas sujas, e um outro dormindo, todo encolhido e maltrapilho, descalso. Logo à frente, quando atravessei a rua, um homem, mendigo, comendo um pedaço de pão e usando uma lata de lixo como "mesa". Surreal, e nojento.

Que tribo é esta, fiquei me perguntando. Como definir estes seres, estas pessoas, que tipo de gente é esta? Veio primeiro uma idéia de "animalidade", vivendo como animais, como se diz. Mas não, nem animal vive daquele jeito, ao menos que esteja muito mal-tratado. Estas pessoas estão mal-tratadas. Uma degradação, uma degeneração de padrões de civilização? Outro tipo de gente, outros trajes, estratégias de sobrevivência, hábitos, códigos - uma sociedade das ruas. Sei lá que nome dar a essas tribos e territórios. Mas fiquei entre assustada e perturbada com o que vi. Pensando agora: será que esse povo acredita em Deus? O que pensam sobre isso? A que falanges pertencem? Em volta de alguns, digo mesmo, havia seres não visíveis.

domingo, 7 de setembro de 2008

Ainda lições de antropologia

Quanto mais se vive mais se aprende. Uma maravilha. Ando me sentindo uma antropóloga reiniciada. O primeiro sinal deste fenômeno foi o incrível estranhamento que tive nas primeiras semanas em Paris, acompanhado de um forte sentimento de pertencimento ao Brasil. Uma conclusão certamente de cunho etnocêntrico, mas insisto que defensável com argumentos razoáveis e (ir)racionais, e que perdura até hoje é a de que o Brasil é a melhor terra para se viver. A Europa, para passear, conhecer, estudar; o Brasil, para se viver, com todos os seus prazeres e tristezas. Bom, desta idéia, que é como que uma certeza, não consigo ou tenho a intenção de me livrar.

Estou agora no Rio de Janeiro. Tirando os efeitos do cansaço da viagem e do fuso horário, percebo-me muito feliz de estar aqui e com um olhar mais atento para as singularidades do lugar. Atento e generoso, pois estou numa fase que acho tudo bom. A cidade é linda, o clima é ótimo, o povo é bacana - minha aldeia é o máximo!

Hoje, por exemplo, peguei um pequeno engarrafamento de trânsito numa rua de Botafogo porque um trio elétrico puxava uma pequena multidão com uma música de carnaval pra comemorar o dia da Independência. Achei tão bom. Mais cedo entrara numa farmácia e me vi surpreendida com o fato de conseguir me comunicar: falei o que procurava, o balconista me indicou onde estava, conversamos sobre detalhes do produto e depois vimos que o mesmo estava em falta - tudo isso sem qualquer problema de entendimento mútuo. Tudo muito natural: eu falei, ele entendeu; ele falou, eu entendi. A língua parece uma coisa natural, e num certo sentido funciona assim mesmo: um fala, o outro entende, e vice-versa. Contudo, a língua (digo, o idioma com suas palavras, estruturas, gramática) não é nada natural, é sim uma ralação para aprender. Uma obra da humanidade, uma bela e imprescindível obra.

Pois bem, assim me encontro: entre deslumbrada com a cidade e seus nativos e me conscientizando do óbvio (ao menos do ponto de vista antropológico) tenho passado esses primeiros momentos. O familiar e conhecido, pelo distanciamento e exotismo vivenciados há pouco noutras terras, ganharam novos ares e aspectos, num certo sentido um redescobrimento - intelectual e afetivo também.

Vejo o povo andando na rua: outro andar, outro trajar, outro povo. Fiquei pensando nos efeitos do ambiente sobre o corpo e suas sensações e afetos.

Desde que cheguei, por exemplo, não usei casaco. O clima está ameno, morno, acolhedor. Em Paris e na Holanda conheci pessoas, pessoas de quem gostei muito, e na hora de abraçá-las para me despedir, havia um monte de pano entre nós: casacos. Não conseguia tocar nessas pessoas, ou em algumas delas, sentí-las um pouco mais. O toque, algo aqui relativamente corriqueiro ou que rola com mais facilidade e sem tantos obstáculos. Fiquei com aquela impressão de um relativo desconhecimento em relação a pessoas com quem conversei e convivi um pouco. Frio, casaco, corpo, relacionamentos. Por outro lado, quem sabe (quem sabe?), o frio e os casacos tragam para as relações um componente de recato e mistério, de intimidade conquistada. Ou de obstáculos e distanciamento. Fiquei lembrando do Mauss, das técnicas corporais e dos esquimós também.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Au revoir, Paris!

Despedidas. Bom, são sempre meio tristes. Não gosto muito delas, embora sejam até meio constantes na minha vida. Ninguém mandou morar longe! Enfim, amanhã, dia 5, viajo de volta. Preces e orações são bem-vindas; sabe como é: avião, atravessar oceano, uma força espiritual sempre colabora.

Como parte das despedidas, fui a Chartres, há menos de uma hora de Paris. Tive a grata surpresa de fazer este programa com o Fabio Bruno, amigo antigo, de longa data, que chegou para uma breve temporada aqui na Europa. Já vinhamos combinando este passeio conjunto pela internet, e ontem, ao meio-dia, nos encontramos na Gare Montparnasse. Às 14 hs já estávamos em Chartres. Chovia e fazia frio - ah, este verão...

Depois, como era de se esperar, o sol apareceu, mais no final da tarde; a noite estava estrelada, e um vento frio nos mandou pra cama cedo. Antes, porém, vimos o festival de iluminação que nesta época Chartres promove. Há vários monumentos lá, entre eles a Catedral, famosa por sua antiguidade (por volta de 1 mil anos), tamanho gigantesco e vitrais (em especial o tom azulado das vestes de uma representação de Nossa Senhora). De fato, é magistral, mas seu interior um pouco escuro demais, pareceu-me. Uns vitrais estavam em restauração, e outros precisando de uma faxina daquelas, com muita água e sabão. O problema, ou um deles, é que os vitrais são incrivelmente altos. Não dá nem pra imaginar como era uma obra destas naqueles tempos de outrora. É tudo feito em pedra, deviam utilizar andaimes; como será que era a segurança? Qual era, literalmente, o cristão, que subia nesses andaimes?

Depois dos últimos e sempre bem-vindos comentários do Amilton fiquei me sentindo meio "Polyana da floresta". O Mestre Jesus falava da inocência das crianças; por vezes, sem um olhar inocente, tanta coisa fica de fora. Sei lá. Também não sei como ganhar esta guerra, talvez tenhamos mesmo é que purgar muita coisa nesta nossa amada Terra, tão generosa conosco, quase se oferecendo em sacrifício. Devemos, no mínimo, fazer por merecer.

Pois é, estou chegando. Hoje também recebi a alcunha de "guerreira". Então, me aguardem: Mariana, a inocente guerreira das selvas!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Ainda na mesma história

Em Paris faz frio. Hoje amanheceu fazendo 15 graus, em pleno verão. Sinceramente, fui pega de calças curtas. Uma das compras que fiz aqui e não esperava foram um sapato fechado e um casaco. Ontem, já na fase despedidas, pude fazer um passeio à pé, à noite, no Sena, vendo a Notre Dame. Nossa, que lindo! E frio. Choveu. O jeito foi correr para um café e ficar lá esquentando o corpo com um chocolate quente. De lá até o metro, mais frio. Cadê o sol, meu Deus?


Continuei pensando sobre as reflexões da postagem passada. Sabe, a vida aqui é muito confortável. Tem uma série de confortos materiais. Bom, claro que tudo isso custa, que há pessoas que acessam menos esses confortos. Você entra num supermercado, a seção de congelados é grande, de todo tipo; comidas prontas também, que é só chegar em casa, esquentar e comer; saladas prontas, ou mesmo já lavadas (as folhas). Queijos de todo tipo, formato e embalagens. Milhares de biscoitos, chocolates, yogurtes, produtos de limpeza e por aí vai. Talvez não muito diferente de um supermercado de um grande centro brasileiro. Na rua, as lojas tem uma sofisticação. São bonitas, bem ajeitadas. Os cafés, estes têm de todo tipo. As coisas funcionam, tem uma eficiência. O transporte público aqui em Paris é invejável; aqui não é preciso ter carro, uma maravilha. O que estou querendo pensar é que há um padrão de conforto material, acessível mediante desembolso financeiro, e que isso seria um valor da vida urbana européia. E que não se abre mão disso de uma hora para outra.


Muito do que se consome gera lixo; muito do que se consome está ligada a processos agroindustriais (e de sofrimento animal). Aqui é mais difícil uma coisa como a feira de orgânicos de Rio Branco, onde você vai e encontra o produtor, por exemplo. Percebi aqui como minha vida é diferente. Como meu consumo é diferente, como o que preciso para ser feliz é diferente. O que cada um acha que precisa para ser feliz? No Brasil, com seus PACs & Cia., seus políticos e elites, e seu povo que vê muita televisão, talvez esteja embutido um complexo de inferioridade do querer ser igual a Paris (ao Primeiro Mundo). A floresta, o pantanal, a caatinga e outros mais vão ter que se adaptar, se incluir (plano de inclusão ambiental!) e não nós, humanos brancos e civilizados, a eles - isso é o que parece. Realmente, se é assim, somos mesmo Terceiro Mundo, atrasadinhos e tapadinhos.