segunda-feira, 30 de julho de 2007

Xingu, ser ou não ser?


Domingo assisti a estréia da nova série dirigida por Washington Novaes (a quem admiro e leio sempre que posso) sobre o Parque Indígena do Xingu. A série, com o título de "Xingu. Terra Ameaçada" revisita os povos residentes do Parque 23 anos depois da filmagem de "Xingu. Terra Mágica". O capítulo de estréia foi uma reapresentação do Parque e seus moradores, e das mudanças havidas nestas mais de duas décadas.

Muitas mudanças, como não poderia deixar de ser. O que neste mundo atualmente não muda muito em pouco tempo? Difícil ter um canto, que era meio que o "paraíso" há um tempo atrás, ou "tão tradicional", e que hoje, quando a gente revê, dá um aperto no coração sem nem saber porquê direito. Não há ironia nessas palavras, e sim perplexidade. Como lidar com toda esta diferença. Algo é inegável: perdem-se coisas; mas o que se ganha?

Voltando ao Xingu, lá muitas coisas mudaram. Bom, as crianças de há 23 anos atrás são hoje pais e mães de família. Nas aldeias há novidades materiais: antenas parabólicas e as abomináveis televisões, poços artesianos, fontes públicas com torneiras (poupando as mulheres de irem longe buscar água em latas d´água - se eu fosse uma índia acho que ia gostar desta novidade, e ia ao rio para curtir o banho mesmo!), construções de alvenaria (ao lado daquelas malocas gigantescas), bicicletas e motos - veículos por excelência para circular entre as aldeias ou mesmo dentro delas. Nota-se ainda que as novas gerações estão aderindo à roupas (vestidos, bermudas). E visitantes! A cena do Kuarup mostrada impressionou pelo número deles, brasileiros e estrangeiros!

É verdade, os rituais e cerimônias não foram abandonados, e nestes a roupa (ou a falta dela) é de acordo com a tradição. As pinturas corporais - maravilhosas! - também estão lá. A língua não se perdeu, tampouco a cerâmica e outras artes. Iniciativas de resgate e fortalecimento cultural também existem no Xingu.

A situação é, portanto, toda muito interessante, ainda mais se expandimos um pouco a lente e enxergarmos o que tem em volta: um desmatamento alucinado, empreendimentos do agrobusiness, comprometimento das nascentes dos rios que correm para o Parque... um sufoco! Mas tem também os aliados, ONGs, movimentos sociais, ambientalistas e por aí vai.

Mas algo ficou me incomodando durante todo este primeiro espisódio. Havia algo meio em cima do muro: as mudanças são ruins, mas a cultura permanece. Não sei se em cima do muro, ou se uma oposição criada que é difícil de resolver. Então a conversa num quadro era "realmente as mudanças na aldeia são uma ameaça a cultura etc", e no quadro seguinte era "mas vejam os rituais permanecem etc". Como se a gente ficasse pulando ora num pé, ora noutro. Como resolver isso? Vamos ver como a série vai caminhar...

Este papo de mudança cultural e identidade étnica não se encerra aqui. Registro apenas que é prudente fugir das profecias e previsões sobre o destino inevitável dos povos indígenas em contato com a civilização branca ocidental. Tanta gente já se enganou nessas previsões, gente de porte e valor, como o saudoso Darcy Ribeiro, e mesmo o professor Roque Laraia, de quem eu li hoje um texto escrito nos anos 60 sobre os Suruí e outro, no século XXI, no site do ISA sobre o mesmo grupo. Nos anos 60, a situação dos Suruí era desoladora, e hoje a recuperação é notável. Meu pensamento divagou e comecei a pensar nos Kontanawa do rio Tejo... Bom, mas isso fica pra uma outra ocasião.

domingo, 29 de julho de 2007

Cerco na fronteira

Um caminho na floresta. Uma estrada ilegal. Cruzando a fronteira do Brasil e do Peru, na região do Alto Juruá, invadindo territórios indígenas e unidades de conservação, uma madeireira peruana, a Florestal Venao SRL, dá seguimento a ações de exploração que, denunciam os Ashaninka da Terra Indígena Kampa do Rio Amônea (Brasil), vem desde 1999. As denúncias atuais, em carta divulgada hoje pela Apiwtxa (ver abaixo), chama atenção pela cooptação de parentes Ashaninka que vivem no lado peruano pela Venao.

Lembrei-me imediatamente do caso de Rondônia. Há uns dois anos, um amigo que é engenheiro florestal, fazendo uma avaliação da situação dos planos de manejo madeireiros das Reservas Extrativistas Estaduais lá existentes, contava-me que a elaboração desses planos tinha sido financiada por madeireiras locais mediante pagamento futuro com as árvores a serem "manejadas". Resultado: planos de manejo sequer aprovados e as associações dessas Reservas completamente endividadas e com os recursos madeireiros exploráveis comprometidos com dívidas. Não é preciso dizer que toda essa história tem casos de cooptação, corrupção e violência, inclusive com vítimas fatais. Até onde acompanhei o desenrolar, o Ministério Público entrou pelo meio, os planos foram considerados irregulares, mas não sei como ficou exatamente...

Mas voltando ao caso recente, a empresa Venao não só está "apoiando" grupos indígenas na elaboração de "seus" planos de manejo madeireiros, como também a criação de territórios indígenas na fronteira Brasil-Peru, onde provavelmente novos planos serão elaborados...

Em julho, quando estive em Marechal Thaumaturgo, chegou a notícia de que um sobrevoo do Ibama, acompanhado do professor Isaac Ashaninka, encontrara sinal da retomada da exploração madeireira não só na Terra Indígena Kampa, mas também avançando na vizinha Reserva Extrativista do Alto Juruá, na direção das cabeceiras do rio Arara. Também tivemos notícia de que na fronteira sul com o Peru, no rio Breu, esse mesmo tipo de ação estava em curso. Estávamos sendo cercados - foi a sensação que ficou. No Rio Envira, mais a leste do Juruá, o chefe da Frente de Proteção dos Índios Isolados denuncia que estes estão sendo acossados por invasões peruanas e penetrando em Terras Indígenas de outras etnias, o que pode vir a acarretar conflitos entre esses grupos.

Que fazer? Que fazer? Mais medidas diplomáticas, mais prisões de "peruanos", queima de acampamentos - e assim com um chicote nos iludimos que o leão está sob controle. Foi com respeito que ouvi, mesmo sem entender, o veemente discurso do chefe Ashaninka Antonio Pyianko ao governador do Acre, Binho Marques. Com seu arco e sua flecha ele riscava o chão, batia no chão, protestava e parecia dizer que se as autoridades nada fizessem, os Ashaninka fariam. Não sei se foi isso que ele disse, sei que permaneceu sério todo o tempo, e não achou graça quando Binho se referiu a "bronca" que havia tomado do chefe indígena.

Para saber mais e ler na íntegra a carta abaixo, visitem http://apiwtxa.blogspot.com/
Acesse também: http://altino.blogspot.com/



Carta da Comunidade Apiwtxa sobre as invasões na fronteira Brasil/Peru

Nós, Asheninka da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, uma população de 400 habitantes, temos um território demarcado em 1992, com 87.205 hectares, na fronteira do Brasil com o Peru.

Nessa terra estamos cuidando para sempre ter os recursos naturais para garantir a nossa cultura, a nossa própria forma de conviver sem causar poluição ao nosso ambiente e para respeitar os nossos vizinhos.
Desde 1999 estamos sendo afetados diretamente por empresas peruanas que exploram madeira na fronteira e têm em várias ocasiões invadido a nossa terra indígena. Devido às nossas campanhas e mobilizações, essas invasões já são do conhecimento dos governos brasileiro e peruano e de várias instituições internacionais.

As autoridades brasileiras vêm lutando contra essas invasões, por meio de operações de fiscalização e de combate à exploração ilegal de madeira na fronteira internacional. Mas, os invasores insistem em desrespeitar o limite da fronteira, afetando a vida e a cultura do povo Asheninka, seu ambiente e os recursos naturais que tanto lutamos para recuperar.

Como é do conhecimento de todos, os Asheninka que vivem em terras ao longo da fronteira do Peru firmaram convênios de exploração de madeira em seus territórios. Isso nos causa dúvidas se são manipulados por uma política do governo peruano junto com as empresas madeireiras.

Versão completa http://apiwtxa.blogspot.com/2007/07/carta-da-comunidade-apiwtxa-sobre-as.html

sábado, 28 de julho de 2007

Mulheres e crianças




As mulheres são perigosas. Bom, foi acreditando nisso que milhares delas foram queimadas nas fogueiras da inquisição. Bruxas. Por que será que seriam elas tão ameaçadoras? O que temiam seus algozes? Provavelmente serem atingidos de alguma forma por algo que eles não conheciam, ou tinham controle. E o que será que seria este "algo"? Acredito que algum tipo de conhecimento, um saber que mexia com outras forças, que atuava noutro registro que o reinante e permitido. É, perigosas essas mulheres - e benditas também.

Adão, bom, um sortudo. Digo que a ele Eva fez o favor de apresentar o fruto do conhecimento. Mordê-lo foi se pôr a prova, e nisso ele foi corajoso. Saíram então do Paraíso para a ele voltar, quem sabe, como seres mais conscientes de si. Conhecer-se a si mesmo, vencer a si mesmo - acho que esta foi a saga iniciada no evento da serpente com a maçã.

O que mais atrapalha no caminho? O medo. Para enfrentá-lo, só pela razão não se vence. Tem que ter sentimento, intuição, a esfera do sensível, até do invisível. Acho que as bruxas atuavam neste campo...

Hoje me disseram uma coisa que fiquei pensando: uma coisa é a criança em nós, que é quem devemos buscar, pois só nos fortalece, mas outra coisa é a infantilidade, que remete a imaturidade e que deve ser aos poucos superada. Olha que coisa linda: quanto mais maduros, mais a chance de ter a criança conosco! E a criança é puro amor, ingenuamente amorosa - e assim se vence o medo...