terça-feira, 27 de novembro de 2007

Roxo, passarinho rouxinol

Antonio Barbosa de Melo, o Roxo, nasceu no igarapé Manteiga, afluente do alto rio Tejo. Lá viveu toda a sua infância e juventude, morando com os pais, dona Esmeralda e o seu Ginú, irmãos e irmãs. Era seringueiro. No final dos anos 80, por intermédio de seu irmão, o Chico (do) Ginú, conheceu o antropólogo Mauro Almeida. Naquela época, Chico era bolsista de pesquisa num projeto do professor da Unicamp. Não escapou a Roxo alguns procedimentos de pesquisa, tal como anotações incansáveis no caderno de campo.

Anos depois, em 1993, quando Mauro e uma grande equipe iniciavam um extenso projeto de pesquisa na área, já decretada como a Reserva Extrativista do Alto Juruá, Roxo procurou Mauro: queria “fazer pesquisa”. Não sabia bem o que era, mas queria mesmo assim. Mauro lhe passou um caderno e Chico assumiu a “orientação” do irmão, em especial na checagem de seus escritos. Segundo o próprio Roxo, seus garranchos só eram decifráveis por Chico...

Roxo, que não é homem de desistir fácil daquilo que almeja, além de ser dotado de uma paciência que só posso atribuir ao seu bom coração, seguiu em frente com suas pesquisas. Aos poucos, por sua própria iniciativa e trabalho, foi se destacando entre a equipe de monitores que então começava a se estruturar na Reserva. Lembro nesta época que Roxo estava sempre por perto, ouvindo, conversando e nos acompanhando. Em 1993, quando uma equipe de antropólogas passou seis meses em campo, Roxo acompanhou uma delas, a Andréia Martini, em seu debut entre os seringueiros do igarapé São João. Nas nossas reuniões ele estava sempre presente. Enfim, Roxo iniciava-se como pesquisador.

Anos passaram, o Projeto de Pesquisa passou por altos e baixos, mas Roxo (assim como outros também) manteve-se firme. E mais firmeza ainda lhe foi exigida quando seu filho adoeceu de leucemia. Foram quatro anos de batalha, viagens e muito sofrimento. Roxo, que então já morava noutra localidade, na foz do Tejo, viu-se obrigado a mudar para a cidade de Cruzeiro do Sul para melhor assistir seu filho, que viajava periodicamente com a mãe para Goiânia. Era preciso trabalhar, arrumar recursos monetários para tantas viagens e gastos. Amigos pesquisadores apoiaram, mas Roxo também não ficou parado. Hoje o menino está curado, e o pai aliviado e agradecido.

Esta foto tirei hoje, em Cruzeiro do Sul, de onde cheguei há pouco. Roxo já há algum tempo tem um carrinho de lanche, e um ponto certo de venda: em frente ao Banco do Brasil. Ele mesmo produz os salgados e os sucos que vende, estima tirar por dia uma média de R$ 10 de lucro, descontadas já as despesas e a alimentação diária da família. Mas há dias que a venda é ruim, e a coisa toda fica mais difícil. Acho que Roxo ainda pensa em voltar para o seringal. Ele diz que continua fazendo suas pesquisas na cidade, observando o modo de viver e de ser das pessoas. É um entusiasta do Projeto de Pesquisa, e um sábio e sensato conselheiro. Ajudou-me muito quando coordenei atividades deste Projeto entre 2006 e 2007.

E Roxo também é, como não poderia deixar de ser, um pensador, um intelectual, mesmo um filósofo. Sua reflexão é delicada, fina. Aqui vai uma, intitulada “Pesquisador”.

Em 1993, na colocação Pão, passando a conhecer a Reserva Extrativista com Chico Ginú e Mauro, comecei a andar junto com os companheiros do Projeto de Pesquisa. Neste tempo aprendi muito mais, que não só tem o rio Juruá e o rio Jordão, tem muita coisa. Quando nós chegávamos nas casas das pessoas, e pessoal ficava espiando, pensando e tinha muita gente que perguntava: “Roxo, pra quê você está fazendo este trabalho?”. Eu respondia que não sabia. Muitas pessoas ficavam com medo porque não sabiam o que aquela pessoa estranha estava fazendo em sua casa.

domingo, 25 de novembro de 2007

Carta indígena - fronteira Brasil-Peru

24 de novembro de 2007

Aos Senhores Representantes de Instituições Governamentais, Não Governamentais e Organizações Indígenas do Brasil e do Peru

Nós, Asheninka da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia (Comunidade Apiwtxa) e da Asociación de Comunidades Nativas de Ashanínkas-Ashenínkas de Masisea y Callería (ACONAMAC), vimos, por meio desta, informar e manifestar a nossa mais completa oposição à exploração madeireira que afeta diretamente todos os povos da fronteira Brasil-Peru, sobretudo as nossas comunidades que se localizam na região da linha de fronteira Brasil-Peru.

1 - No lado brasileiro da fronteira, nós estamos, desde 1999, junto à Justiça e a vários órgãos do governo brasileiro tentando impedir que nossa fronteira seja invadida brutalmente por empresas madeireiras autorizadas pelo Governo peruano para exploração comercial em área de concessões florestal e em terras indígenas peruanas. Nós temos uma política que é proteger a nossa biodiversidade para garantir a nossa tradição, utilizar os recursos naturais sem causar desequilíbrio ambiental, que deve ficar por conta do processo natural do Planeta. A nossa vida sempre foi assim, mas não sabemos mais até quando vamos suportar.

2 - No lado peruano, ainda hoje temos os mesmos problemas que aconteceram no Brasil há vários anos atrás, os povos indígenas submetido a regras dos madeireiros, sofrendo violências e sendo alvo de enganação. Hoje, muitas comunidades vêem suas lideranças tradicionais trocadas por novos representantes, que são preparados por empresas somente para usar seu povo como mão de obra barata e fácil de enganar, para tirar proveito. Como exemplo, temos duas terras indígenas no lado peruano, Sawawo e Nova Shawaya, próximas ao marco 40, que firmaram convênio com a empresa Forestal Venao para explorar em suas terras vários tipos de madeiras nobres e ganhar uma porcentagem. Legalmente, as comunidades estão contratando os serviços da empresa e assumindo as conseqüências negativas que acontecem no âmbito local, e nunca aparece a realidade em que eles vivem, ganham uma pequena parcela do lucro, ficando este para os representantes comunitários que gerenciam de acordo com suas políticas. Na realidade, estão vitimando pessoas e povos com a violação de seus direitos. A Forestal Venao não é a única empresa, existem outras, como RuBem, Cabrera e outras, em que o trabalho é muito mais complicado e mantem um povo tradicional em um sistema de escravidão. Queremos uma intervenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

3 - Também temos visto e presenciado vários problemas de alcoolismo. O alcoolismo vem causando a desestruturação sociocultural do nosso povo, e gera pessoas que passam a ser destruidoras de suas próprias tradições e dos recursos naturais. O pouco dinheiro que ganham serve apenas para se prejudicar cada vez mais e ser mais dependente da exploração. Esse é um ciclo vicioso fomentado e imposto pelas empresas.

4 - No lado peruano, vários povos, assim como os Asheninka, há décadas vêm sendo usados para as frentes de exploração dos recursos naturais, muitas das vezes deixando suas terras de origem e acompanhando as empresas, eliminando vários conhecimentos do povo com relação à natureza e a nossa forma própria de utilizar os recursos naturais. Nessa luta, muitos povos também estão sendo eliminados. É o caso dos índios "isolados", as populações de índios em isolamento voluntário, que estão sendo mortas, sem que ninguém peça por eles. Nós presenciamos um fato de conflito entre nosso povo no Alto Juruá, no ano de 2003, onde tivemos depoimentos de Asheninka comentando que o conflito foi causado pelas empresas madeireiras, que expulsou os isolados de suas terras, matando vários deles.

5 - Também temos informações que grupos de exército Asheninka foram criados na época do Sendero para proteger o povo e hoje também são usados pelas empresas madeireiras, através das comunidades conveniadas, para vigiar seus trabalhos.

6 - O trabalho da empresa Forestal Venao, com duas comunidades aqui vizinhas à nossa, ganhou a certificação do padrão FSC. Nos perguntamos hoje se essa certificação foi dada para certificar o extermínio de várias espécies, florestais e animais. Também nos perguntamos se o plano de manejo certificado foi para invadir áreas da linha de fronteira e prejudicar diretamente o país vizinho e seus recursos, se foi para desrespeitar a faixa de 2 km (dois quilômetros) do trato de respeito à fronteira. Precisamos ver isso com mais atenção e mais detalhe, pois nessa região vivem seres humanos que precisam ser respeitados nos seus direitos. Também as Nações Unidas precisam ter conhecimento desse fato, e fazer valer o direito de cada povo ter direito à sobrevivência, não só o direito do homem sobreviver, mas o direito à proteção dos recursos naturais de que depende para viver, os rios, a flora e a fauna, que podem garantir, por fim, a vida do Planeta por mais tempo.

7 - No plano de exploração da Forestal Venao tudo parece perfeito, mas, na prática, a sua forma de exploração só tem gerado o extermínio de milhares de espécies e a poluição das águas, algumas das quais correm para o território brasileiro. Mais recentemente, começaram a chegar as concessões minerais e petrolíferas, que para nós serão uns dos maiores problemas e que precisam ser discutidos. E não aceitamos que as empresas tenham tratamento de vítimas, como é comum nos debates, onde colocam as mesmas como importantes e produtivas para o desenvolvimento da economia e os povos indígenas como improdutivos e atrasados.8 - Solicitamos a pronta manifestação das instituições endereçadas, e as convocamos para uma reunião na fronteira o mais rápido possível.

Assinam esta Carta
Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA) e Asociación de Comunidades Nativas de Ashanínkas-Ashenínkas de Masisea y Callería (ACONAMAC)

Carta endereçada a: AIDESEP - Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana, Assembléia Legislativa do Estado do Acre, Conselho Nacional dos Seringueiros, COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, COICA - Coordinadora de las Organizaciones Indigenas de la Cuenca Amazonica, Colégio del Biólogos del Peru, Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional - CAINDR/Congresso Nacional do Brasil, Comissão de Direitos Humanos e Minorias – CDHM/Congresso Nacional do Brasil, CONAM, Consejo Nacional del Ambiente, Defensoria del Pueblo - Oficina Defensorial de Ucayali, Departamento da Polícia Federal, Governo do Estado do Acre, Exército Brasileiro, Ejército del Peru, FUNAI, IBAMA, INRENA - Instituto Nacional de Recursos Naturales/OSINFOR, Oficina de Supervisión de las Concesiones Forestales Maderables, Ministério da Defesa do Brasil, Ministerio de Defensa del Peru, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Justiça, Ministerio del Justicia del Peru, Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Ministerio de Relaciones Exteriores del Peru, OEA, OIT, ONU, OTCA – Organização do tratado de Cooperação Amazônica, Presidência da República Federativa do Brasil, Presidencia de la República del Perú, Procuradoria Geral da República, 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Índios e Minorias, SEMA-Acre, Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Nossa amiga se foi...

Gente, soube hoje: a baleia minke não resistiu, morreu nas águas do Amazonas. Acho que ela deve ter sofrido um pouco. Lamento muito este desfecho. Que este não seja o destino da nossa floresta.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Visita ilustre

Semana passada uma baleia, minke ao que tudo indica, visitou-nos aqui na Amazônia. Ela foi vista já perto de Santarém, o que significa que enfrentou 1.500 km rio Amazonas acima. Perdida, assustada ou determinada, não sei bem em que estado fez a viagem, mas o fato é que fomos todos abençoados com uma presença absolutamente inusitada. Especula-se se ela se perdeu, se estava doente - o que a teria feito entrar no grande rio de água doce?

Também não sei, mas achei o fato tocante. Emocionou-me. Uma baleia, espécie ameaçada, aqui na nossa floresta, também ameaçada. Um encontro simbólico de gigantes da natureza. Os moradores da beira do rio, claro, assustaram-se, e falou-se em "cobra grande", provavelmente a "parenta" mais próxima da baleia aqui na Amazônia.

A última notícia que vi era que não havia mais notícia dela, pesquisadores temendo que ela tenha pouca chance de sobreviver. Vamos torcer por ela, rezar por ela, e agradecer por ter estado aqui entre nós tão majestoso e dócil animal, o maior do mundo, aqui no maior rio do mundo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Sobre planos de manejo, Caipora e outros mistérios

Esta semana participei da qualificação da Renata Teixeira, aqui do Mestrado em Ecologia e Manejo da UFAC. Gostei muito do projeto dela, e de participar da discussão com os outros professores presentes. A Renata quer tratar de uma questão das mais relevantes no contexto atual: qual o papel do manejo madeireiro nas decisões que os seringueiros que dele participam passam a fazer sobre o uso de suas propriedades (colocações)? Lendo o projeto que foi examinado, me chamou atenção o termo “plano de manejo”. Na verdade, não é de hoje que já tinha tido minha atenção desperta: conversando com os seringueiros manejadores lá do São Luis do Remanso já pensara coisas parecidas com o que está logo aí abaixo.

O mote é o seguinte: que novidade é esta do “plano de manejo”? Da onde vem isso? O que ele introduz? Até que ponto ele é mesmo uma novidade? Ou o que nele é novo? Não sei falar de tudo o que pergunto – afinal, são perguntas – mas tenho algumas idéias, em especial sobre o “manejo seringueiro”.

É de domínio público e comprovado que o manejo seringueiro da borracha e da castanha ao longo desses mais de cem anos demonstrou ser extremamente seguro para a floresta – e isto não é obra de cientistas, e sim de moradores da floresta, indígenas incluídos. O manejo da fauna, pesca, madeiras, palhas etc, para fins de subsistência e dentro do sistema de colocações também é altamente eficiente. Nesse contexto de manejo florestal seringueiro, qual o elemento novo? Madeira para comércio, carne de caça para venda, copaíba para venda e por aí vai – ou seja, novos produtos, novas escalas, novas tecnologias, novas finalidades para produtos já conhecidos. E aí vem o nome: “plano de manejo”. Para quem não conhece e é novo na história, parece que as populações florestais agora finalmente estão acessando métodos de planejamento do uso da floresta.

Tem uma questão de fundo bem interessante nisso tudo sobre conhecimentos tradicionais e técnico-científicos. Quando um autor como Wyatt-Smith afirma que manejo florestal é “explorar a floresta de um modo a prover rendimento sustentado dos produtos florestais, sem destruir ou alterar radicalmente a composição e estrutura da floresta como um todo” (apud Teixeira de Oliveira), fico me perguntando em que esta definição seria incompatível com o manejo tradicional seringueiro... Lembrei-me da fala da professora Manuela Carneiro da Cunha sobre o equívoco que é achar que a ciência hegemônica, na sua interação com os conhecimentos tradicionais, vai legitimá-los.

Quais as interfaces entre o manejo seringueiro e o novo manejo? As novas técnicas de manejo são capazes, por exemplo, de assegurar a colocação como um sistema? Ou, ainda, garantir a sobrevivência de um manejo tradicional compatível com o novo? Ou seja, o novo ajuda a sobrevivência do tradicional? Consideremos ainda que para o seringueiro o manejo da floresta nunca foi uma questão puramente técnica. Parece que os seringueiros, produzindo borracha, mantinham acordos tácitos com a Mãe da Seringueira, e isto não é crendice, ingenuidade ou coisa que o valha. Isto é visão de mundo, isto é um mundo extremamente real, para quem o vive. É possível manejar (técnico-cientificamente) fauna, por exemplo, considerando o papel do Caipora na proteção das caças? No caso da madeira, que universo simbólico a cerca?

A madeira é comumente apresentada como um produto a mais a ser explorado no cardápio de possibildades que a floresta oferece, inserindo-se no tradicional sistema produtivo da colocação. Hum, não sei. A madeira não é um produto qualquer, sua inserção é um diferencial forte: tanto porque há polêmicas políticas e técnicas em torno do manejo madeireiro e sua sustentabilidade, quanto porque acredito que ela não é um produto extrativista da mesma forma que a borracha, por exemplo. A madeira tem um mercado consolidado e ávido. Tem preço, desde que se encontre o nicho e comprador certo, o produto seja beneficiado com qualidade, e também que se tenha tempo e algum capital para aguardar o retorno do investimento. Sua cadeia produtiva é longa e cara. Do momento que o produto sai da colocação do seringueiro até retornar em dinheiro, muita coisa se passa, muitas etapas são cumpridas, muito dinheiro é gasto. A não ser que se venda a madeira em tora: tirou, pagou.

Outro termo que parece caminhar junto com o de “manejo florestal” e faz parte de seu arcabouço: “produtores florestais”. O que é isso? O que esta idéia sugere? Uma nova perspectiva, um novo olhar sobre as populações florestais e também sobre a floresta. Tem a ver com rendimentos monetários e com o viver da floresta, sem derrubá-la. Tenho a impressão que junto com ela vem uma idéia de pequeno empresário florestal moderno: aquele que olha a floresta como um conjunto de recursos e a explora visando o máximo rendimento sem comprometê-la como fonte renovável. A floresta como um bom negócio. Mas, repito, e o Caipora?

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

De Cacique pra Presidente

Carta que o cacique Kaiapó Raoni entregou ao presidente Lula no dia 7 de novembro passado, em Belo Horizonte. Raoni esteve lá recebendo um prêmio do Ministério da Cultura.

Aldeia Piaraçu, 03 de novembro de 2007.

Ao Presidente da República do Brasil Luís Inácio da Silva –Lula

C/c para: Tarso Genro – Ministro da Justiça
Márcio Meira – Presidente da Funai

Nós estamos muito preocupados com o futuro dos nossos povos.

Queremos a demarcação do Kapôt Nhĩnore nesse ano. Há muito tempo estamos lutando pela demarcação, porque essa terra é sagrada e muito importante para o nosso povo Mebengôkre. Todos os anos os pescadores e fazendeiros estão invadindo e destruindo nossos recursos naturais e locais sagrados dentro do Kapôt Nhĩnore.

Além disso, sabemos que o seu Governo quer construir seis usinas hidrelétricas no rio Xingu e outras em seus afluentes, como no Tepwatinhõngô, que os brancos chamam de Jarina. Nós não vamos deixar construir essas usinas hidrelétricas que vão destruir nossos territórios, os nossos recursos naturais e a vida dos nossos povos.

Queremos a Funai fortalecida, recebendo e administrando todos os recursos que existem para os povos indígenas que estão espalhados em vários ministérios e órgãos governamentais. Não aceitamos a estadualização e municipalização da saúde e educação indígenas. Cada povo vai decidir como os recursos serão repassados e administrados para o atendimento de suas comunidades.

Não aceitamos a mineração em terras indígenas e principalmente sem autorização da comunidade indígena. Não queremos a entrada de mineradores, garimpeiros, madeireiros, pescadores e qualquer tipo de invasores em nossos territórios.

Queremos que os direitos indígenas conquistados na Constituição de 1988 sejam respeitados.
Presidente Lula, o Governo Brasileiro precisa respeitar e proteger os povos indígenas.

Assinam a carta:

Terra Indígena Kapoto –Jarina:

Aldeia Metyktire:
Raoni Metyktire
Karupi Metyktire
Iodji Metyktire
Pekãn Metyktire
Beptok Metyktire
Nokere Tapajuna
Jabuti Metyktire

Aldeia Kremoro (Kapôt):
Patoit Metyktire
Mokuka Metyktire
Yteí Metyktire
Bekà Metyktire
Ngôkontkaire Metyktire
Tõtire Metyktire
Mojkara Metyktire

Aldeia Krumare:
Bàka-ê Metyktire
Aldeia Kenpo:
Porekrô Metyktire
Kĩabjêti Metyktire

Aldeia Piaraçu:
Bedjai Metyktire
Meybã Metyktire
Pichanhã Juruna

Terra Indígena Xingu

Aldeia Tuba-Tuba:
Tinini Juruna
Karandindi Juruna

Aldeia Pakisamba:
Nhãnhã Juruna

Terra Indígena Mekrangôtire

Aldeia Angô’ã pari:
Krange Mekrangôtire

Aldeia Kamêrêkàkôp:
Karàkra Mekrangôtire
Pidjôbãrã Mekrangôtire

Aldeia Kororoti:
Nikàjti Mekrangôtire
Xik Mekrangôtire
Betoti Mekrangôtire
Bekôre Mekrangôtire

Aldeia Kubekàkre:
Kadjure Kaiapó
Ima Kaiapó
Màdmari Kaiapó
Nhàkêt Kaiapó
Ytumti Kaiapó

Aldeia Pykany:
Bekrê Kaiapó
Wakõtire Kaiapó

Aldeia Kendjam:
Pykatire Kaiapó
Môpdjô Kaiapó
Kàprõt Kaiapó
Bepngri Kaiapó

Terra Indígena Kaiapó

Aldeia Krĩny:
Kanhõk Kaiapó
Tôdkrã Kaiapó
Ngôtyk Kaiapó
Ire-ô Kaiapó
Mikin Kaiapó

Aldeia Gorotire:
Amjôti Kaiapó
Môj-y Kaiapó

Aldeia Kikretum:
Koãtoro Kaiapó
Bebajti Kaiapó

Aldeia Kokraimoro:
Kenti Kaiapó
Kôkti Kaiapó
Nepnoi Kaiapó
Banka-ê Kaiapó
Braire Kaiapó

Aldeia Pykararakre:
Kaĩxokaĩ Kaiapó
Kadjaĩtnhõrõ Kaiapó

Aldeia Kubekrankêj:
Paĩjtyk Kaiapó
Ykakôro Kaiapó
Rotkaĩre Kaiapó

Aldeia Tekrejarotire:
Parityk Kaiapó

Aldeia Mojkaĩraĩk:
Bemoti Kaiapó
Kaĩjkware Kaiapó
Oro Kaiapó

Aldeia Àykre:
Krwyĩte Kaiapó
Ômre Kaiapó

Aldeia Kawatxi:
Aĩkjabôrô Kaiapó

Aldeia Krãjaĩpari:
Pangraĩ Kaiapó
Bekwyĩka Kaiapó

Aldeia Pururu:
Kube-i Kaiapó
Terra Indígena Panara

Aldeia Nãsepotiti:
Perankô Panara
Kupêri Panara
Akâ Panara
Teseia Panara
Kretoma Panara
Pâtikâ Panara
Tukokian Panara
Sykia Panara

Assinam também a carta:
30 professores Metyktire e Mekrangôtire
10 professores Panara
3 professores Tapajuna
3 professores Juruna (Yudja)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Homenagem póstuma


No dia 10 deste mês faleceu Jorge Terena, liderança indígena nascina na Terra Indígena Aldeinha, em Mato Grosso do Sul. Não sei muito sobre ele. Sei que era importante no movimento indígena, se sei também que era sociólogo formado. Um colega. Um colega de profissão indígena. Acho que teria gostado de conversar mais com ele.

Deu vontade de fazer alguma homenagem ao Jorge Terena, então busquei a foto na internet e reproduzo abaixo algumas de suas reflexões, publicadas num artigo que saiu na revista Galileu (31/08/2006):

Índio com diploma não é índio?

Algumas pessoas ainda acham estranho um índio ter bacharelado, mestrado e doutorado, mas muitos deles já são formados em áreas como história, direito, ciências sociais, engenharia, pedagogia e outras. A maioria dos que conseguiram essa formação não tiveram ajuda do governo para tal, e continuam não tendo.

Os estudantes indígenas às vezes passam por dificuldade nas cidades, mas por compromisso com suas comunidades insistem em adquirir ferramentas científicas e tecnológicas. Isso os permite discutir de igual para igual com os governos um planejamento de políticas públicas indígenas condizente com a realidade. Mas por que tanta dificuldade para ajudar um pequeno número de indígenas a concluir os estudos? Índio não precisa estudar?

Há 20 anos, o governo militar achava que lugar de índio era só na aldeia e queria mandar os estudantes indígenas de Brasília de volta para casa. Na época, os alunos adotaram uma frase de protesto: "Posso ser o que você é sem deixar de ser o que sou!". Contudo, a visão de que o índio que sai da aldeia abandona a própria cultura ainda persiste como preconceito. Ele não pode ter diploma e continuar sendo índio?

As escolas indígenas têm várias faces hoje. Podem ser mera imposição de modelos educacionais ou podem adotar métodos que não desprezam o pluralismo e a identidade cultural dos povos. Por isso é preciso fazer uma distinção entre educação indígena e a educação escolar indígena.
A educação indígena é o processo com que cada povo transmite conhecimento (em língua nativa) para garantir a sobrevivência e a reprodução cultural. Não é uma educação dentro de quatro paredes como todos estão acostumados, mas uma educação cotidiana. Quando um pai indígena leva o filho para caçar ou coletar material de artesanato, a criança passa por um processo de transmissão cultural de valores, história e crenças.

Já a educação escolar indígena deve congregar tanto o conhecimento tradicional dos povos quanto a cultura técnica e científica da sociedade brasileira como um todo. Um choque entre as educações escolar e indígena se deu por conta da existência de concepções de mundo diferentes.
A educação escolar seguia modelos dominantes, num incentivo à acumulação de bens, à competição e ao individualismo, contrária aos processos pedagógicos dos povos indígenas, que enfatizam diferentes formas de organização social. Mas a educação escolar indígena deve servir como um instrumento a serviço da autonomia de cada povo, que deve decidir o que é uma escola verdadeiramente indígena. É difícil para o Ministério da Educação integrar ações de ensino indígena nos três níveis de aprendizado. Se a educação escolar indígena ainda é capenga, imagine a superior. Existem algumas poucas experiências em universidades com licenciaturas específicas para atender à demanda de estudantes indígenas por cursos superiores. Mas será que estes cursos podem ajudar a solucionar os problemas enfrentados pelos povos no cotidiano?

Como os índios têm dificuldades para ingressar em universidades públicas, eles estão buscando o ensino particular, e a Funai não dispõe de verba para atender à demanda. Só um sistema integrado de educação escolar indígena, desde a educação básica até a superior, poderá garantir os princípios da especificidade, diferenciação e autonomia, que respeite a diversidade cultural, lingüística e as pedagogias próprias dos povos indígenas.

domingo, 11 de novembro de 2007

Arremedos urbanos na floresta

O papo hoje é sobre uma viagem recente que fiz. Passei quase todo o mês de setembro nas águas do rio Tejo, afluente do alto rio Juruá, hoje município de Marechal Thaumaturgo. Vou contar aqui um pouco do que vi e ouvi.

A primeira parada, vindo de Cruzeiro do Sul, foi na sede municipal. Lá, por três dias esperei uma passagem para subir o Tejo, e enquanto isso fui encontrando, a cada instante e esquina, antigos conhecidos do seringal, ex-moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá que se mudaram para a “vila”. Ora, Mal. Thaumaturgo já não é tão pequeno assim. Seus modestos e aproximados três mil habitantes não revelam por si o quanto a localidade vem mudando: ruas e ramais adentram o território municipal, sempre acompanhados do que parece ser um processo inevitável quando o assunto é “desenvolvimento”: o desmatamento. Chegando de avião é possível observar áreas abertas no interior e também nas margens do rio Amônea. E a coisa não pára. Tanto na ida quanto na volta, vi máquinas trabalhando, abrindo e terraplanando ruas, postes de luz sendo firmados, escavadeitas cavucando. Coisas de cidade...

Outra coisa de cidade: o lixo. O que fazer com o lixo? Em Mal. Thaumaturgo não há um aterro sanitário adequado, como deveria haver numa área tão ricamente biodiversa e considerada uma prioridade de conservação. Seus moradores e a natureza deveriam ter direito a isso: uma solução adequada para o lixo. Murilo, meu companheiro de viagem, filósofo e brasiliense, e morando por hora na sede dando aulas numa escola local, teve uma aventura recente na vila batendo-se pelo depósito dos couros de boi abatidos em outro local que não às margens do rio Amônea. Depois de uma sessão na Assembléia Legislativa, com a presença de seus alunos, vereadores e do vice-prefeito, o poder público assumiu a responsabilidade de recolher os couros para o lixão da cidade.
Mas não é só isso. O lixo muda. Quanto mais urbana Marechal Thaumaturgo se torna, mais seu lixo também se urbaniza, mais contempla artigos industrializados, mais plásticos passam a fazer parte do que deve ser descartado na natureza. A questão dos resíduos sólidos poderia ser acrescentada à das condições sanitárias e da poluição das fontes d’água. O que está acontecendo aos igarapés de Thaumaturgo? Há um maior, que desagua no rio Juruá, hoje praticamente um esgoto. E os outros? E as cacimbas, como convivem com as privadas? Perguntas incômodas, perguntas necessárias.

Mas por que mencionar apenas esses aspectos negativos? Em primeiro lugar, porque eles existem. Em segundo lugar, porque são relevantes. Não são exclusivos de Mal. Thaumaturgo, é verdade, mas estão lá. Claro está que esses aspectos não são o Município e que seus moradores têm apreço pelo seu local de moradia, e que por isso mesmo talvez esses temas deveriam ser uma prioridade na agenda municipal. Por que Mal Thaumaturgo não pode ser um município modelo em saúde pública e meio ambiente? Por que não?

Bom, vamos em frente, subamos o rio Tejo finalmente!

(para ler o artigo na íntegra, acesse a coluna Papo de Índio, publicada aos domingos no jornal Página 20, aqui em Rio Branco)

Alerta: espécie ameaçada?


Foi mais ou menos nesses termos que minha amiga Bia Saldanha, chegando no Alto Acre, Município de Assis Brasil, definiu o quadro que encontrou: “Mariana, os seringueiros estão em extinção!”. Como boa “soldada da borracha” que é, Bia estava quase que alarmada: fora lá para reuniões comunitárias com moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes conversar sobre uma demanda de borracha para calçados ecologicamente corretos, e encontrou pouca gente interessada em cortar seringa...

Os mais velhos, bom, estão mais velhos, têm vontade mas o vigor físico já não é o mesmo; os mais novos, jovens, já não se interessam pela ancestral atividade de seus pais e avós. Restam os resistentes seringueiros, aqueles que têm amor mesmo pela atividade e que respondem de imediato a um pagamento que valorize o seu trabalho. Resultado: a demanda de borracha que, esperava-se, iria ser sanada em Assis Brasil, terá que ser complementada noutros seringais.

Lá no Alto Juruá, na Reserva Extrativista de lá, o quadro não é muito diferente. Seringueiros que cresceram na lida e hoje estão mais dedicados a agricultura e pecuária afirmam que não voltariam a cortar. Por que? – “Voltar a morar no centro?”, respondem, “sem escola, sem posto, longe da margem?”. Não, obrigado, respondem. Esta conversa não é unânime, mas é uma das tendências reinantes. Na verdade, acredito que além do baixo preço pago pelo trabalho do seringueiro, a atividade carece de prestígio. Qual jovem vai se interessar em especializar-se numa atividade mal paga e desprestigiada?


É grave e pesarosa esta notícia, a da extinção. Algo precisa ser feito. Coisas como aumento do louvável subsídio do governo estadual, que estancou nos R$ 0,70 há muito tempo. Ou o apoio de verdade ao projeto da Folha Líquida Defumada (FDL), desenvolvida pelo professor Pastore e sua equipe na UnB, que já implantou muitas unidades de produção nas florestas do Acre, mas que luta ainda com a falta de apoio e interesse dos governos. A FDL (foto acima) é uma borracha puríssima, de alta qualidade, produzida dentro da floresta e que dispensa a etapa de usinagem, ou seja, pode ir direto para a fábrica – uma maravilha! Há promessas de um convênio, por exemplo, com o governo do Acre – demorou!

Será que a seringa já é um símbolo do passado? Acho que ainda não, mas temos que cuidar, e logo! Na verdade, já perdemos foi muito tempo com tantos projetos de recursos vultuosos – como o Resex, do Plano Piloto (PPG-7 via Banco Mundial) – e que foram incapazes de dar um apoio sério e contínuo para o extrativismo tradicional da borracha, vocação natural deste Acre véio, que tem suas fronteiras demarcadas pela incidência desta fantástica árvore que é a Hévea brasiliensis. Se todo este dinheiro tivesse sido investido na melhoria do processo produtivo e no incremento de preço da borracha, garanto que tinha muito mais floresta em pé e muito mais seringueiro nessas matas.

Trabalho digno o do seringueiro. Quem quiser detalhes, tem um texto lindo na Enciclopédia da Floresta, organizada pela Manuela Carneiro da Cunha e por Mauro Almeida, publicada em 2002 pela Cia. das Letras. Lá, Mauro e Laure Emperaire contam com detalhes todo o conhecimento que a atividade envolve. Vale conferir, e ingressar neste exército de soldados da borracha, junto com a minha estimada amiga Bia.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Grave notícia da fronteira

Forte o relato-denúncia do sertanista José Carlos dos Reis Meirelles, que encontrei no blog do Altino Machado. O Meirelles chefia a Frente de Proteção Etno-Ambiental do Rio Envira (Acre), na fronteira do Brasil com o Peru, que tem como principal missão proteger territórios habitados por índios ainda não contactados.

Madeira, Ouro e Cocaína no Paralelo 10´

Tenho a impressão que escolheram o nosso pessoal da Frente Envira como alvo de tiro para iniciantes. Algum grupo de índios isolados -pouco provável- conseguiu roubar armas e munição e vem testando na gente a "novidade", ou, o que é pior, a mando de madeireiros, índios não vão mais nos dar folga.

Atiraram no nosso mateiro, o Jaboti. O chumbo, desta vez, acertou suas costas, ao contrário do tiro no Beré. Mas, felizmente, o cartucho devia estar molhado e o chumbo entrou só no couro grosso de Jaboti.

Acho que o nosso estoque de sorte está esgotando. No Beré, foi o tronco do paco-paco salvador. No Jaboti, o cartucho ruim, velho ou molhado. Uma hora o cartucho estará bom e a mira certa. É uma questão de treino dos atiradores.

E eu fico pensando na realidade do nosso serviço público. Não posso contratar meus mateiros. Tenho que pagá-los contra-recibo. O cara ganha a mixaria de R$ 500,00 por mês. Está longe da família, defedendo o território dos isolados. Esse mateiro dá resultado, pois defende o meio ambiente de fato. Esses homens mereciam um tratamento melhor do Estado.

Sabe o que a Funai fez com o cargo de mateiro? Extingiu de seus quadros. Afinal, pra que gente em campo? Pra defender o meio ambiente, os indios? Tem que ter, ao contrário, é um monte de assessores ganhando fortunas, cagando regras.

Um bando de técnicos em computação monitorando a desgraça via satélite, aviões e helicópteros, mas que só servem para constatar quando o estrago já foi feito. Para prevenção, para gente que leva tiro para defender a floresta, nada pode. E quando se pede um suprimento para pagar os mateiros a Funai fica frescando, dizendo que não pode, que isso e que aquilo.

Paciência tem limite e o couro dos mateiros não é de ferro.

Não seria melhor entregar ao Peru esta parte do território brasileiro esquecida pelo Estado brasileiro? Os madeireiros vão ficar felizes e explorarão toda a madeira que há, os traficantes plantarão grandes roçados de coca, algum garimpeiro poluirá de mercúrio as águas do Envira a procura de ouro.

O burocrata terá mesa e cadeira de mogno prá sentar sua bunda e olhar a telinha de seu notebook. Vai ter muita cocaína nos embalos das boates de Brasília com as peruas de silicone balançando seus anéis e braceletes de ouro. Tudo made in paralelo 10.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Parábola


Uma seguidora, muito sinceramente, disse ao seu Mestre, portador de imensa ciência e habilidades de cura:

- Mestre, eu queria conhecer o que o senhor conhece.

Ao que ele respondeu:

- Eu? Ah, eu só sei é comer arroz com feijão, bem cozido.