segunda-feira, 22 de agosto de 2011

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Curuba não se trata coçando

POR JOSÉ CARLOS DOS REIS MEIRELLES
Direto da Frente de Proteção Etnoambiental Xinane, na fronteira Brasil-Peru

Companheiros,

ontem eu estava meio "mordido de caititu" e espoletei. Com razão, creio.

Hoje, sendo mais frio e menos emotivo (se é que é possível pra mim não sê-lo em falar dos parentes brabos), a situação aqui ainda não está resolvida, existem muitas dúvidas a serem esclarecidas.

Afinal o que esse povo e o português preso faziam por aqui?

Creio que existem ainda pessoas desse grupo escondidos aqui por perto, esperando a poeira baixar.

Sendo otimista e achando que o Exército com seu Batalhão de Selva resolva sair do quartel e, em vez de passar o dia aparando a grama dos jardins do quartel, resolva repuxar cipó aqui nas matas pra ver se encontra, ou espanta de vez esses traficantes. Mas isso é como tratar curuba coçando-a, ou carregar água em paneiro.

O problema aqui é bem maior, extrapola os limites internacionais do Brasil e a própria competência da Funai. Não estou dizendo que isso é exclusivo do Peru. Temos, dentro de nosso território, todo tipo de agressão a índios isolados ou não. Mas nas faixas de fronteira (e este é um caso emblemático) as desgraças podem vir daqui ou de lá. Agora é do Peru.

Como proteger os isolados, que usam tanto o território brasileiro como o peruano, transitam em suas terras pra lá e pra cá desta linha imaginária que traçamos, para dividir os dois países - o paralelo 10º Sul? Ou os dois países tratam desse assunto conjuntamente, colocando nas agendas binacionais os índios, isolados ou não, protegendo suas vidas e territórios, ou teremos uma fronteira de brancos e índios, todos atolados até o pescoço na exploração ilegal de madeira, no tráfego de cocaína, ou sei lá mais em que atividade ilegal.

Estes vastos territórios, que à vista grossa parecem terra de ninguém têm dono: os índios.

Desde 2006 venho alertando para a movimentação de madeireiros nas cabeceiras do Rio Envira, no Peru, e o perigo para os isolados. E a exploração lá se dá em uma reserva para isolados, Murunahua.

Tive a oportunidade de, junto com o presidente da Funai, Márcio Meira, visitarmos a embaixada do Peru em Brasília, alertando o embaixador das consequências da exploração ilegal de madeira na reserva Murunaua.

Também estivemos juntos em Pucalpa, tratando do mesmo assunto com ONGs e representantes do governo peruano. Pregamos no deserto, tipo São João Batista. E pelo andar da carruagem,
começaremos e comer gafanhotos.

Não sou mais funcionário da Funai. Trabalho no governo do Acre, a convite do governador Tião Viana, que, diga-se de passagem, tem dado todo apoio possível para sairmos da crise em que nos encontramos. Estou aqui na Base do Xinane dando minha modesta colaboração a todos que aqui estão, pela longa vivência de 22 anos que residi aqui nas cabeceiras do Envira, nesta mesma base.

Quero deixar claro também que não fizemos as operações como o esperado, não por culpa das pessoas que aqui estiveram, da PF e do BOPE. Todos eles têm vontade de ganhar a mata com nossos mateiros e resolver a questão. Assim também o pessoal da Força Nacional que aqui se encontra.

O que precisam é de ordem expressa de seus comandos. Fica o registro para sanar os maus entendidos.

Finalizando faço um apelo às autoridades maiores de meu país: ganhem um pouco de tempo e pensem na responsabilidade que é ter em suas mãos o destino de povos que vivem autônomos nestas matas. Assustados, talvez assassinados (como se isso fosse novidade para eles) e sem o menor conhecimento que nem futuro poderão ter, se o Estado Brasileiro decidir que o que acontece aqui é uma crise momentânea.

Lembrem-se da sabedoria das matas: curuba não se trata coçando. Ela vai aumentar, piorar e apostemar.

Seres humanos não merecem esse tipo de tratamento.

Um grande abraço a todos.

José Carlos dos Reis Meirelles é sertanista

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Fronteira ainda em alerta - divulgue!

Senhores,

Em toda a minha vida profissional de 40 anos de trabalho com os índios, isolados ou não, sempre soube a hora de calar, de respeitar hierarquia.

Soube tambem protestar a meu modo, quando necesário, a meu modo, jeito e responsabilidade. Pois agora é a hora de gritar, e alto! Embora isso signifique, como já aconteceu quando fui demitido da FUNAI, na criação da SBI que protestava contra o regime militar da época, a favor dos índios.

Lá vou eu, depois de velho, de novo.


A Frente Envira, como todos sabem foi tomada por uma força paramilitar estrangeira, composta de traficantes e provavelmente acompanhados de índios
recém contatados do Peru.
A PF veio à nossa base, pensava eu, de acordo com plano que junto com ela fizemos em Rio Branco, de duas equipes, uma acima da base e outra abaixo, pousadas de helicóptero a distancia não audível dos invasores da base, que viriam por terra, na esperança de prende-los. O plano não foi executado. Sobrevoaram a base antes disso de helicóptero, espantaram os caras. Uma equipe pousou na Aldeia Simpatia e subiu o rio. Foi resgatada antes de chegar na base. Outra pousou na base.

Nossos mateiros seguiram um rastro e entregaram o Sr. Fadista, portugues que anteriormente foi preso aqui mesmo e deportado para o Peru, apesar se ser procurado
por tráfico internacional de drogas, inclusive no Brasil. Voltou e foi preso de novo.

Satisfeita a PF abandonou a base, como se a missão estivesse toda realizada.


Uma pequena equipe, Sr. Carlos Travassos, coordenador da CGIIRC/FUNAI, Artur Meirelles coordenador da Frente, Francisco de Assis ( Chicão, mateiro), Francisco Alves de Castro ( Marreta, mateiro) e José Carlos Meirelles ( Gov. do Estado do Acre), por decisão unânime, resolveram vir para a base, que era de novo abandonada.


A PF lacrou a Base. No outro dia que chegamos estava tudo arrombado de novo. Os peruanos continuavam aqui. Vimos vestígios de menos de 15 minutos!!!


Veio o Bope de Rio Branco. Foram feitas pequenas incursões. Encontramos acampamentos, mochila dos peruanos com pedaço de flecha dos isolados dentro!!!


O Bope vai e vem a Força Nacional. Sem ordem de se afastar a 500 metros da Base.


Nestes dias de Força Nacional, sempre se escuta tiros em locais próximos à base, à noite, com características de arma de bala e não de cartucho.


Esta noite mesmo, foram ouvidos tres disparos, de um lado e de outro do rio.


A Força Nacional está esperando o Exército, que deveria aqui chegar no dia seguinte à invasão da Base, a quase UM MES atrás!!!!


E ninguem ainda se dispos a bater realmente estas matas e desvendar o que realmente estas pessoas, que CONTINUAM AQUI, fazem e querem.


Não temos acesso ao depoimento do portugues. Parece que é PROPRIEDADE DA PF!!!!


Há tempos, desde 2007, temos alertado sobre a exploração ilegal de madeira, do outro lado da fronteira, em reserva de isolados no Peru, a reserva Murunaua.


Agora, tudo leva crer que além de madeireiros, temos traficantes de drogas! E pelo andar da carruagem, como se diz aqui pelas matas, parece que estão
botando roçados. Ou seja, não tem a mínima intenção de ir embora. Afinal, ninguem os perturba!!!

Nós da FUNAI, do governo do Acre e os mateiros ( que aliás ganharam um presente da FUNAI, foram dispensados) estamos aqui por opção.
O risco é por nossa conta, somos pagos ou não prá isso.

OS ÍNDIOS ISOLADOS DA REGIÃO, VERDADEIROS DONOS DESSE PEDAÇO DE AMAZÔNIA, NÃO TEM NADA COM ISSO!!!


E SERÃO ELES, COM CERTEZA, MAIS UMA VEZ QUE PAGARÃO O MAIOR PREÇO PELA INVASÃO DE SUAS TERRAS, POR UM
GRUPO DE TRAFICANTES E SABE-SE LÁ MAIS QUE PERSONAGENS.

Não dá mais prá esperar calado!


Não vou mandar abraço prá ninguém, meu coração tá apertado. Quando sinto essa sensação, dificilmente erro.

José Carlos Meirelles

sábado, 6 de agosto de 2011

Na fronteira, bravos brasileiros resistem - você sabia?

A notícia é grave.

Na fronteira do Brasil com o Peru, lá no Envira, uma situação bizarra, dramática e revoltante está ocorrendo agora. A Terra Indígena demarcada para os índios isolados foi invadida por mercenários peruanos fortemente armados e no posto avançado da Funai que lá existe, cinco brasileiros estão sitiados: dois sertanistas (José Carlos e Arhur Meirelles, pai e filho), o coordenador da diretoria de índios isolados da Funai em Brasília (Carlos Travassos) e dois mateiros (de apelidos Marreta e Chicão). Todas estas pessoas são absolutamente comprometidas com a proteção dos índios isolados contra um contato prematuro e não desejado por eles. Estão trabalhando nisso há muito, este é o trabalho de suas vidas.

Para saber melhor sobre os acontecimentos, clique aqui e aqui. Um desdobramento de hoje aqui no Acre está aqui. Mas mais agora a noite, por telefone da cidade de Tarauacá, onde está a corajosa documentarista Maria Emília Coelho, tivemos a notícia alarmante de que numa das mochilas que a equipe da Funai achou nas proximidades da base estavam flechas de índios isolados... O que isso pode estar significando? Uma matança desses povos?

Que fazer, que fazer? Divulgar, dar a conhecer, é o que me ocorre. Gostaria de ter canais mais influentes, mas talvez algum leitor tenha.

Por hora, deixo vocês com os emails do Meirelles que chegaram de lá do alto rio Envira nesses dois últimos dias.

Dia 5 de agosto

“A todos companheiros de luta e família,

Como o tempo é curto e é muita gente, me desculpem misturar familiares e trabalho.

Como todos sabem a nossa base do Xinane foi invadida por um grupo paramilitar peruano, onde foi preso por uma operação da polícia federal, um único integrante. O famoso Joaquim Fadista, que já tinha sido pego aqui por nosso pessoal, foi extraditado e voltou. Com um grupo de pessoas cuja quantidade não sabemos.

A operação foi muito rápida e hoje todo mundo foi embora. Nossa base ficou só de novo.

Já que ninguém deste Estado brasileiro se dispõe a ficar aqui, tomamos a decisão, Carlos Travassos, coordenador dos isolados, Artur coordenador da frente, Eu, e dois mateiros nossos, Marreta e Chicão, de vir prá cá.

Fomos deixados pelo helicóptero da operação.

Os caras ainda estão por aqui. Correram quando o helicóptero chegou. Rasto fresco e cortado de hoje. Se o povo da PF ou exercito estivesse aqui a gente pegava todo mundo.

Mas parece que as coisas não são bem assim. Talvez se esse grupo tivesse invadido algum canteiro de obra o PAC, metade do exército já estaria lá.

Mas como é uma basezinha da Funai, área de índios isolados…

O fato é que aqui ficaremos até que alguém ache que uma invasão do território brasileiro por um grupo paramilitar peruano, é algo que mereça atenção.

Somos irresponsáveis. Talvez. Mas antes de tudo existe um compromisso maior com os índios isolados e os contatados nossos vizinhos Ashaninka.

Não temos resposta pra tudo isso. Mas estamos bem perto das perguntas.

Permaneceremos aqui. E nem venham nos buscar para abandonar a base de novo e nem venham aqui passar dois dias.

Se vierem venham pra resolver o problema.

Caso contrário, a gente mesmo vê o que faz.

Um abraço a todos”


Dia 6 de agosto

“A todos,

Vocês já sabem das notícias. Vão as últimas.

Desculpem por mandar pra todo mundo, mas o tempo pra ficar no notebook aqui tá curto. Um olho na tela e outro nos peruanos não dá.

Seguinte:

1 - Pela quantidade de vestígios aqui ao redor, temos certeza que os caras se dividiram em grupos de 5 ou 6 e estão fazendo uma verdadeira varredura aqui ao redor da base.

2 - Os isolados não andaram aqui não. As coisas que desapareceram daqui indicam que não foram eles.

3 - Cremos também que junto desses peruanos existam índios sim, contatados de lá.

4 - A gente conhece apito de índio remedando bicho. Parece que tem uma reunião de nambú azul aqui por perto.

5 - Se esses caras estão procurando alguma coisa, ainda não acharam.

6 - Todo mundo que está aqui ( nós cinco gatos pingados) é manso na mata, como eles.

7 - O nome de nosso dois mateiros: Francisco Alves da Silva Castro o Marreta. Francisco de Assis Martins de Oliveira - O Chicão.

8 - O dia que a Funai descobrir que um homem como eles, valem por 20 indigenistas e 20 sertanistas, talvez resolva contratá-los, sem concurso público, pois são analfabetos, mas os maiores doutores da mata que conheço, talvez a segurança dos índios isolados possa ser melhor conduzida.

Permaneceremos aqui, dê o que dê, até que o Estado Brasileiro decida RESOLVER DE VEZ esse absurdo!!!! Não pra proteção nossa.

PARA PROTEÇÃO DOS ÍNDIOS!!!!!!

Quem não tiver atualizado, por favor procure sites e tal que já tá no mundo.

Quem puder reclamar, pressionar etc., será bem vindo. Os isolado agradecem.

Um grande abraço a todos da nossa equipe de ” irresponsáveis”, como estamos sendo chamados.

Pensem bem: Quem é o irresponsável mesmo.

Meirelles”