quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Feliz Natal

Germinam os desejos da alma,
crescem os atos da vontade,

maturam os frutos da vida.

Eu sinto meu destino,
meu destino me encontra.
Eu sinto minha estrela, minha estrela me encontra.
Eu sinto meus objetivos,
meus objetivos me encontram.

Minha alma e o mundo são um só.


A vida, ela se torna mais clara ao redor de mim,
a vida, ela se torna mais árdua para mim,
a vida, ela se torna mais rica em mim.

Busque a paz,
viva em paz,
ame a paz.

(Dança da Paz, Rudolf Steiner)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Sábado à noite na terra da Florestania

Este ano completa 20 anos do assassinato de Chico Mendes. Para marcar a data, o Prêmio Chico Mendes de Florestania, concedido pelo governo do estado, saiu um pouco do seu formato tradicional e premiou 20 pessoas, entregando a cada uma delas um diploma e uma espécie de troféu onde, numa madeira, está fincada um ouriço de castanha em bronze. Bonita a homenagem.

Na hora em que me arrumava para ir a premiação, pensei: “mas isso está com cara de evento ´chapa-branca´ e lá vou eu...”. Mas não dava para não ir: amigos muito caros estavam sendo contemplados pelo Prêmio e queria estar com eles, particularmente com um, que não via a uns dois anos, o Ailton Krenak. Arrumei-me para a noite. O convite dizia “esporte fino”, me previniu a Débora. Pensei: “vamos ver qual a leitura acreana do esporte fino”. E lá fui eu, de esporte fino: um vestido branquinho de algodão da Cantão, que comprei para levar para Paris e não consegui usar lá devido ao frio, e que ainda estava virgenzinho no guarda-roupa. Sapatilha ou sandália de salto? “Salto”, decretou a Débora. Ok, mas vou levar a sapatilha just in case, pois depois tinha uma festa na Malu. Arrematei com uma bolsa de couro vegetal, um colarzinho, brincos combinando e um baton pra dar um toque. Ao chegar lá, constatei: "esporte fino" é uma questão muito pessoal, ou sujeito a leituras bem subjetivas, ou ainda, exagerando um pouco, "cada um vai como quer". Os que estavam de paletó e gravata, como ensina o manual de esporte fino, confessavam certo constrangimento.

Foi um evento muito bonito, devo dizer com satisfação. Sob medida. O cerimonial enxuto, com direito a Vitor Fasano, bonitão lá no palco. Os discursos, de quem discursou (Marina, Binho, Raimundão, Toinho Alves, Steve Schwartmann e Jorge Viana), inspirados e também de bom tamanho, bons de ouvir. Houve um fantástico anti-clímax com a fala do Toinho, que fez uma auto-crítica por todos, encarnando, como disse o Binho, o Chico Mendes naquela noite e lembrando a todos que, sim, trabalharam muito nesses 20 anos, mas estão todos muito longes de ter cumprido o dever de casa. Muito pelo contrário, perdeu-se o foco, o extrativismo está como que às moscas, sem uma política consistente e permanente, e as Reservas Extrativistas em crise. É, foi boa esta parte da noite. Precisava.

Entre as premiações, divididas em três blocos, música: primeiro a Carol Freitas, que abriu o evento cantando aquela música do Vital Farias sobre “a bonita floresta, mata verde, céu azul, a mais bonita floresta”. Depois teve o Sérgio Souto, a Keyla e a noite fechou com Los Porongas. Demais!

E aí saímos para o hall, tomamos suco, tietamos os Porongas e ainda jantamos com os premiados no Inácio. Novamente, mais do que a comida, bem em desacordo com as minhas pessoais preferências alimentares, bom mesmo foi estar com os amigos: Ailton, o Toinho filhos, o Taska e a Laura, o Terri e sua extensa família indígena, o seu Antonio de Paula, a Sheyla e outros ali presentes.

É, teve bom. Só não deu pra ir na Malu que no dia seguinte tinha hinário...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

No Campus Floresta

Esta semana que passou estive em Cruzeiro do Sul. Fui participar de concurso da UFAC para preenchimento de vagas para professor. Estive em duas bancas, ambas selecionaram professores que estarão atuando no curso de Licenciatura Indígena, ou seja, professores que estarão dando aulas para indígenas, muitos dos quais, acho que quase todos, já atuando como docentes em escolas nas aldeias. Não vou contar do concurso, mesmo porque não pode, é meio secreto o que ocorre nas salas de aula e depois nos bastidores da banca. Então, deixa isso pra lá e vamos ao que me traz aqui hoje.

Quero falar do Campus Floresta, que me espantou pela ausência justamente do que a UFAC escolheu para batizá-lo: a floresta. Ao chegar, um susto: o estacionamento, amplo, imenso, asfaltado e sem um pé de planta para dar sombra, hoje ou futuramente. Fiquei sinceramente chocada com este cartão de visitas. E sem entender.

Comentei isso com alguns colegas professores, que na hora concordaram comigo. Um deles não descartou a possibilidade de um dia vir com uma picareta, abrir um buraco e plantar uma árvore pioneira no estacionamento. Seria um bravo ato, sem dúvida. Como pioneira, ela (a árvore) certamente sofreria um pouco sem companhia e no meio daquele asfalto que esquenta pra valer - mas esta parece ser a sina dos pioneiros e pioneiras: enfrentar resistência e dificuldades dobradas. Sugiro que esta árvore seja uma bem resistente, daquelas que não tem medo de "tempo ruim".

Entrando no campus, mais especificamente passeando entre os prédios novos, de cor clara e dois andares, agradáveis portanto, de novo, no que seriam áreas verdes internas, ausência de árvores. Uma ou outra espaçadamente plantada. Pensei, e falei: "mas aqui deveria haver era pequenas amostras de sistemas agroflorestais!". Imagina: entrar numa instituição de conhecimento científico e topar com pequenos sistemas diversos, a riqueza da floresta e do conhecimento humano associado a ela (pensando aqui nas plantas cultivadas) representadas em miniatura, uma espécie de bonsai da floresta. Bom, talvez isso já esteja começando a acontecer, pois vi bananeiras plantadas (na foto, bem ao fundo). De toda forma, o entorno do campus é inspirador, pois há uma matinha muito atrativa. Vale lembrar que o Campus Floresta da UFAC é um dos filhos que vingou da proposta de uma Universidade da Floresta, cujo mote inicial foi o intercâmbio entre conhecimentos nativos e científicos. Na construção, pelo menos, esta troca (ainda) não está espelhada.

Quero deixar claro que gostei muito de ter estado no Campus Floresta, encontrado colegas valorosos e que apostam suas vidas profissionais na região. Gente que veio de longe e que está dando o melhor de si para que a região do Juruá possa contar com uma instituição de ensino e pesquisa de qualidade. Vi isso no concurso, nas bancas de que participei e nos contatos e conversas que tive com alguns professores, como a Heide (na foto à esquerda, comigo, Maria e Selmo, já no aeroporto, na hora de ir embora) e o Marcus Athaydes, entre outros que infelizmente não recordo os nomes. Esclareço ainda que estou louca pra ser convidada a dar aulas lá, e espero que esta postagem não seja mal interpretada por meus colegas de Cruzeiro.

Tem algo na cultura universitária (talvez não só da UFAC), e na burocracia, que amarra idéias, enquadra propostas inovadoras, e nesta rigidez perde frescor e inteligência. E o resultado é que habitamos ambientes áridos e calourentos, uma tendência, inclusive, que ameaça toda a Amazônia. Precisamos ir na contra-mão!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Semana de Ciências Sociais

Na semana passada, o Centro Acadêmico do curso de Ciências Sociais da UFAC realizou a Semana de Ciências Sociais, que, em sua sexta edição, teve como tema “De Chico Mendes ao Estado da Florestania: os desafios da sustentabilidade”. De segunda a sexta-feira foram quatro mesas-redondas e uma palestra, as primeiras no auditório da Biblioteca da Floresta e a segunda no Teatrão, tendo como palestrante a senadora Marina Silva, uma esperada presença pelos alunos do curso.

Não pude participar ao longo da semana, por motivos pessoais achava-me fora de Rio Branco. Mas na sexta-feira apresentei-me aos organizadores da Semana para mediar a mesa de encerramento batizada de “Reservas Extrativistas (por onde anda a ‘reforma agrária do seringueiro’)”. Embora o folder não tenha registrado, tratava-se de uma pergunta: em que pé estão as propostas de regularização fundiária adaptadas ao modo de vida daqueles que vivem na floresta? São várias delas: além da mais conhecida – as Reservas Extrativistas, fonte de inspiração e mesmo mãe de todas as demais – há ainda os Projetos Agroextrativistas (PAEs) e os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), além das Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), entre outros formatos que buscam conciliar conservação e a presença de populações florestais não-indígenas.

As Reservas Extrativistas foram propostas em 1985, por ocasião do I Encontro Nacional de Seringueiros, realizado em Brasília. Naquela época, era claro para os seringueiros reunidos em Brasília por meio de seus sindicatos, associações, cooperativas e comunidades eclesiais de base, que o formato tradicional da reforma agrária – lotes – era totalmente inadequado, e insustentável, para aqueles que vivem na floresta do agroextrativismo. Recortar áreas de floresta em lotes era uma lógica que só podia fazer sentido na cabeça e mapa dos técnicos e burocratas de escritório, que não sabiam (muitos seguem sem saber) que a caça, os peixes, os cursos e espelhos d’água, os piques de castanha e as estradas de seringa não obedecem a traços geométricos e não respeitam este tipo de fronteira. Uma reforma agrária que mantivesse o sistema de colocações e evitasse a fragmentação da unidade pela venda das posses ou propriedades individuais: estes critérios orientavam as propostas de então. Inspirados nas Terras Indígenas chegou-se ao formato das Reservas Extrativistas: propriedade da União com usos e frutos dos moradores.

Todo esse percurso histórico, e mais rico de detalhes, foi tratado por Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, primeiro a falar na mesa-redonda. Do alto de sua rica e já longa experiência como sindicalista e liderança de primeira hora, junto com outros, dos empates de então, Raimundão rememorou com emoção e de forma didática aqueles anos de esperança, lutas e criatividade, quando podia-se contar com a liderança inestimável de Chico Mendes. Em seguida, dona Maria das Dores da Silva Lima fez uma breve fala sobre o PAE São Luis do Remanso, onde vive. Dona Maria, que tem larga experiência a frente da organização local, focou sua fala nas iniciativas de manejo florestal (madeireiro e não) em curso no PAE. Com uma sutileza invejável, ela trouxe questões delicadas para discussão, como as irregularidades fundiárias presentes, os objetivos não só financeiros daqueles que aderem ao manejo, as políticas públicas que colocam esta opção [a do manejo] para os agroextrativistas, e não outras. O terceiro e último palestrante foi Eduardo Borges, o Cazuza, do Pesacre, que compartilhou com os presentes sua vivência de mais de dez anos na criação e implantação do PDS São Salvador, em Mâncio Lima, o primeiro criado no Acre. A presença e fala de Cazuza trouxeram a importância das parcerias na viabilização dessas áreas de reforma agrária, em particular com ONGs.

O debate foi animado, com muitos inscritos. Cheguei a pensar em fazer alguma fala, mas calculei que iria tomar mais tempo, havia uma ânsia da platéia em se manifestar e a noite era dos palestrantes. Então, me controlando com alguma dificuldade, não me manifestei sobre uma série de questões que apareceram e sobre as quais teria coisas a dizer. O manejo, como seria de se esperar, foi um tema bastante debatido. Ficou-me mais uma vez a impressão, que acabei explicitando ao final da noite, de que o debate em torno do tema carece de mais substância, de mais pesquisa de campo que possa esclarecer sobre os processos localmente em curso: como as populações locais estão vivenciando as iniciativas de manejo? O que, do ponto de vista delas, é positivo e o que não? O que pensam e querem? Os argumentos econômicos e ecológicos produzidos por técnicos e cientistas são, claro, parte importante do debate, mas há uma carência das argumentações nativas, digamos assim.

Enfim, naquela noite, muito modestamente, estivemos todos ali – alunos, professores e outros – ouvindo e aprendendo com palestrantes envolvidos mais ou menos diretamente na consolidação dessas experiências de reforma agrária diferenciada. Juntos exploramos as condições necessárias para o seu sucesso. Não todas, mas algumas, como o papel do Estado, os constrangimentos da lei, a questão tecnológica e da cadeia produtiva dos produtos florestais, a insegurança fundiária, a fiscalização ambiental. Não chegamos a conclusões, mas pistas de investigação foram ali apontadas. É um tema envolvente, dramático e atual. Um campo de pesquisa fascinante, e de militância apaixonante. Traz alegrias e decepções (como tudo na vida). Pode dar vontade de correr, mas é um osso difícil de largar de roer!