sexta-feira, 11 de novembro de 2011

SOS Res-Pública


A Universidade Federal de Rondônia, seus alunos, técnicos e professores estão enfrentando uma situação surreal e que não tem conseguido furar a blindagem imposta para que informações sobre o que está acontecendo cheguem a conhecimento público. Como nos disse hoje o professor e antropólogo Estevão Fernandes em visita a capital acreana para assistir a um evento científico, a questão da greve em curso é um assunto interno, universitário, da comunidade com o reitor. O que causa apreensão e insegurança, declarou, são antes denúncias de violação de direitos humanos, de improbidade administrativa e tráfico de influências que tem sido sistematicamente ignoradas, seja pela imprensa, seja por orgãos públicos competentes. Ao que tudo indica, trata-se de uma apropriação e rapinagem da coisa pública por grupos políticos instalados em posições de poder no estado. 

Como furar a barreira? O email abaixo, repleto de links que dão suporte ao que está dito, é uma tentativa de fazer isso. Por favor, repassem, divulguem, que sabe encontramos uma brecha. Sempre tem uma brecha.

"Caros amigos e colegas,
 
            Não, este não é mais um daqueles malditos spams que são enviados para listas intermináveis. É, sim, um pedido de socorro...
           Estamos nós, antropólogos, tão acostumados a ler ou escrever sobre absurdos na Amazônia em assuntos relacionados a povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, entre outros, que o conteúdo deste email parecerá, aos que não estão acostumados com a realidade amazônica, surreal.

No Estado de Rondônia, hoje, alunos estão sendo ameaçados, professores universitários presos, deputados agredidos pela polícia federal e jornalistas coagidos por essa mesma polícia

             A seguir alguns links para situá-los: [clique aqui, aqui e aqui]
             Resumidamente, em meados de setembro deste ano, professores e alunos da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) entraram em greve, não por melhorias salariais, mas por melhores condições de trabalho e estudo.
 Vão aí, a título de ilustração, mais dois links com fotos do estado de nosso campus em Porto Velho (foto 1 e foto 2) e um terceiro link, com um laudo técnico do corpo de bombeiros tornado público nesta semana:
Em resposta a pauta grevista, a administração da Universidade disse que as reivindicações por melhorias não fariam sentido, já que a Universidade, por mais que apresentasse problemas, estava bem, obrigado.
Aos poucos, o movimento dos alunos se transformou em um movimento para afastamento da administração atual, por entender que havia uma série de denúncias (em licitações, obras, recursos, fundação de apoio, concursos públicos, etc.) que precisavam ser tiradas a limpo. Ato contínuo, o movimento grevista montou um dossiê de 1.500 páginas onde essas denúncias eram sistematizadas e foi a Brasilia, encaminha-las ao MEC e a Casa Civil, da Presidência da República.
Na Casa Civil, com todas as letras, ouviram de um assessor que uma vez que a administração atual da Universidade contava com o apoio de um político da executiva nacional do PMDB, base aliada do Governo Federal no congresso, nada haveria a ser feito.
Há alguns dias a Polícia Federal, em uma tentativa desastrada (e desastrosa) de descoupação do prédio da Reitoria, ocupada por alunos da instituição há quase um mês, acabou agredindo um Deputado Federal que lá estava, tentando negociar (Deputado Mauro Nazif, PSB-RO) e prendendo um professor, que nada fazia a não ser observar a cena.
Abaixo alguns vídeos mostrando o momento da prisão do Prof. Valdir Aparecido, do Departamento de História (Campus de Porto Velho), bem como a agressão ao parlamentar:
Já o link abaixo contém uma foto do mesmo momento da prisão onde se vê, de branco, ao centro, o prof. Valdir sendo levado por dois agentes a paisana (um moreno, a esquerda, com uma pistola na mão e outro, a direita, de camisa vermelha, com um cassetete, que daí a alguns segundos seria utilizado para agredir o Deputado Nazif, de camisa azul clara, no alto da imagem, à direita). De laranja, no canto esquerdo da foto, um rapaz que se identificou como agente da PF, carregando uma câmera subtraída de um dos professores que teria registrado parte da confusão):
Naquela mesma noite o Prof. Valdir foi encaminhado a um presídio comum, chamado “Urso Panda”, onde passou a noite em uma cela.
Alguns dias após o ocorrido, um jornalista local foi coagido por Policiais Federais, por publicar notícias apoiando a greve na Universidade.
 Esta é, basicamente, a situação por aqui: agressão, medo, coersão e ameaças, fazendo uso da máquina pública e de agentes que deveriam proteger a população. O que nos parece, aqui em Porto Velho, é que tanto essas ações truculentas quanto a conivência do Governo Federal e a invisibilidade da questão na imprensa nacional se deve, sobretudo, ao fato de nosso reitor ser aliado político e amigo pessoal de membros da direção do maior partido da base aliada do Governo Federal.
Longe de mim acusar que quer que seja. Afinal, é bem possível que todos os implicados nessa história sejam absolutamente inocentes e/ou tenham agido de boa fé. Entretanto, a única forma de garantirmos transparência no processo de investigação nos fatos aqui relatados divulgando esses acontecimentos junto aos nossos contatos em OnGs, Governo, imprensa e associações científicas.
Há informações atualizadas sobre esses eventos no site mantido pelo comando de greve da Universidade, do qual, diga-se, não sou parte.
Aos que me conhecem, sabem que não faço o perfil de politiqueiro ou sindicalista e, mais que isso, jamais entulharia as caixas postais de vocês se não fosse estritamente necessário, mas o fato é que meus colegas de Universidade, alunos, jornalistas e simpatizantes estão, hoje, com medo de morrer. Precisamos de ajuda por aqui, urgente!
Espero contar com a compreensão e ajuda de todos na divulgação do que tem acontecido por aqui. Qualquer coisa, sintam-se a vontade para me escrever a qualquer momento.

Um cordial abraço,



Prof. Estêvão Rafael Fernandes
Chefe do Departamento de C. Sociais
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Coordenador do Observatório de Direitos Humanos de Rondônia (CENHPRE/UNIR)
Porto Velho, RO, Brasil

Engasgados...

Acho que é assim que boa parte de nós, que moramos na Amazônia ou a ela nos dedicamos - entendida aqui como seus moradores todos, humanos e não-humanos - estamos nos sentindo nesses últimos tempos. Engasgados, e também revoltados, sem saber muito bem como fazer para parar a onda de insanidade e perversidade que tomou conta dos nossos poderes públicos, notadamente na esfera federal, mas não só. Belo Monte, Código Florestal, mineração em Terras Indígenas, identificação e demarcação de territórios étnicos, a inacreditável articulação da bancada ruralista frente ao entreguismo dos setores "ambientalistas" do governo, certamente com o aval da presidenta (mandona do jeito que ela é), o tranquilo ignorar do Brasil à convocação da OEA, a "abertura de pernas" ao licenciamento das grandes obras - é muita pancada de uma só vez. E aqui na província, afinada com o movimento mais geral do "desenvolvimento", o milho trangênico já sendo plantado e a Monsanto parece que vai mesmo salvar a nossa agricultura tão pobrinha...

É muita falta de criatividade e de ousadia, e muita subordinação e serventia. Belo exemplo o nosso para os nossos vizinhos latino-americanos e africanos. E o pior é que parece que queremos ser os tais do hemisfério sul, reacionários endinherados e "desenvolvidos", comendo veneno, sendo cruéis, alegremente vendendo nosso bem mais precioso - nós mesmos - ao Capital.

Repasso link que nosso colega Marcos Matos pescou na internet, excelente artigo para os tempos que correm.




quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Comentário em defesa da Carta do Acre

Michael F. Schimidlehner

Caros integrantes da rede [amazoniaindigena],

Venho acrescentar algumas observações acerca da nossa Carta do Acre. Sei que este assunto não se insere exatamente nos temas pautados por esta rede. Mas como ele já surgiu, podemos abrir um parênteses para ele.

Certamente o governo da floresta trouxe uma mudança inédita e fundamental no Acre. Foi uma mudança da noite para o dia. Não só pôs um fim num regime de terror, acabando com o crime organizado e esquadrão da morte, mas sobretudo introduziu uma mudança de valores, preconizando cidadania e socioambientalismo, ou como foi chamado, a florestania. Neste primeiro momento, a diferenciação bipolar, que os governantes da Frente Popular do Acre costumam fazer entre aqueles que “amam o Acre”, e os que querem destruí-lo fazia muito sentido e foi aprovada pela grande maioria da população.

Entretanto, não podemos negar que com o passar do tempo, este governo também teve que seguir as regras que definem do jogo da governabilidade, fazendo compromissos e alianças com forças anteriormente consideradas inimigas, adotar um curso mais pragmático e parcialmente abrir mão dos valores que havia defendido originalmente.

Ao mesmo tempo, houve tendências autoritárias neste governo e o discurso de polarização foi mantido, tornando-se gradativamente um discurso de exclusão e censura. Desta forma, a criação de um espaço de autocrítica sincera da frente popular foi por ela mesma impedido.  Quem expressava um pensamento mais crítico, corria risco de ser taxado como inimigo do Acre.

Não quero me alongar neste ponto sobre o histórico da frente popular no Acre. Para quem se interessa, posso recomendar um artigo bastante esclarecedor que foi publicado no blog do Altino Machado

Referente às pessoas e instituições que  assinaram a carta, posso dizer o seguinte: Certamente não odeiam o Acre, nem seu atual governo. No seminário participaram ativamente antigos companheiros de Chico Mendes que, juntos com ele, nas decadas 70 e 80 ariscaram suas vidas em defesa dos povos da floresta. Muitas das críticas – especificamente as críticas acerca do governo - foram feitas por eles. A carta é, na sua maior parte, um resumo dos comentários que os participantes acrianos e acrianas fizeram, após terem ouvido as apresentações sobre REDD e BNDS. O documento foi lido várias vezes. Não podemos julgar que as ONGs e Sindicatos Rurais assinaram a carta por ingenuidade. Foi um evento altamente participativo e um momento de forte confraternização. A carta representa sim, o pensamento de uma parcela do movimento do Acre. O fato de a atuação de algumas destas organizações hoje talvez não ser tão pró-ativa atribui-se também ao esvaziamento que o movimento socioambiental sofreu a partir do momento que a frente popular assumiu o governo sob a bandeira do socioambientalismo.

Sinto que o problema da carta é que ela entra num momento – nas vésperas das eleições 2012 – quando os partidos políticos começam se armar para a disputa e as forças da direita e as oligarquias do agronegócio iniciam seus ataques. Poder-se-ia argumentar que num momento em que há perigo do governo da frente popular poder ser derrubado e substituído por um governo muito pior da direita, deveríamos nos reter com críticas demais radicais e nos declarar, apesar de seus defeitos,  solidários com este governo. Opor o governo seria neste momento imprudente para quem é compromissado com o socioambientalismo. Mas eu acho que não é bem assim. Nós, como não-governamentais não podemos deixar nos forçar de “escolher o lado” entre partidos ou governos mais ou menos maus. Os movimentos sociais, quando perdem sua independência do governo, estancam, deixam de ser movimentos e passam a fazer parte de um jogo de hegemonia.

Também costuma-se argumentar que críticas sempre devem ser construtivas, ou seja, não se deve apenas questionar, mas também se responsabilizar, no sentido de ofertar soluções alternativas.  Entretanto, em certos momentos faz-se necessário  - mesmo sem ter uma solução alternativa - simplesmente questionar certas noções, principalmente quando estas noções vem sendo introduzidas de forma forçada, de cima para baixo. E isso também é o caso nas concepções de REDD e ABS (repartição de benefícios). Estes mecanismos mercadológicos foram concebidos pelos governos no âmbito da ONU sob pressão de interesses comerciais e agora vem sendo apresentados como se fossem soluções sem alternativa. As consultas com as comunidades indígenas e locais, como os governos promovem tendem a reduzir a problemática a questões técnicas e pragmáticas, pressupondo que a príncipio se trata de uma solução. 

Ainda tem muito pouca discussão com as comunidades sobre os pontos questionáveis, tanto no que se refere as consequências práticas (quais reais impactos e dependências estes acordos podem trazer para as comunidades em longo prazo), quanto as questões da ideologia por trás destes mecanismos (no caso do REDD poder continuar poluir, compensando em outro lugar, no caso do ABS poder continuar patentear os recursos e conhecimentos dos povos da floresta, pagando-os) . Faz-se necessário promover não apenas consultas e capacitações, mas também contribuir com autodeterminação e empoderamento destes povos e comunidades para que eles possam desenvolver sua própria forma de gestão e política da biodiversidade. Da mesma forma, é necessário que as argumentações contra a implementação destes mecanismos possam se articular livremente, contrapondo o discurso dominante e servindo de informação alternativa para as comunidades na sua tomada de decisão.

Neste sentido a Carta do Acre traz uma crítica radical, lembrando que a origem da palavra “radical” é de “ir até a raiz”. O que pode parecer a primeira vista uma série de assuntos diferentes – REDD, BNDES, extração de madeira, desvirtualização da imagem de Chico Mendes – encontra na sua raíz o mesmo problema, que é a mercantilização da natureza e a penetração dos espaços físicos e simbólicos da nossa vida pelo  interesse comercial.

No mundo inteiro, movimentos sociais e ambientais vem se alertando sobre esta problemática. A Carta do Acre tem que ser levada a sério. Ela é uma importante contribuição com a discussão mais livre e mais radicalmente crítica.

Um grande abraco,
Michael
Amazonlink.org

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Esse tal de manejo

No dia 11 de outubro passado uma carta divulgada após um encontro que discutiu as estratégias do "capitalismo verde" (como vêm sendo caracterizadas as boas intenções do capitalismo com relação a natureza, e todo mundo sabe que de boas intenções, pois é, o inferno está cheio) deu início a uma série de emails, manifestos, postagens, matérias de jornal  defendendo e atacando o referido documento. Trata-se da Carta do Acre, facilmente encontrável em qualquer busca no Google (por exemplo, aqui). Uma constelação variada de instituições (acadêmicas, ambientalistas, sindicais, núcleos, redes etc) assinam a mesma. O debate esquentou logo. As reações a ela podem ser, algumas delas, acessadas no site da CPI, do Página 20 e num blog.  O tema que pegou fogo foi o manejo florestal madeireiro, questionado em sua real sustentabilidade.

Objeto de discussão internacional há já algum tempo, o conceito de "desenvolvimento sustentável" aqui no Acre (mas não só, é claro) é usado "a torto e a direito", pela esquerda e pela direita. Recentemente ouvi numa brilhante palestra de um intelectual acreano esclarecendo que o que está em jogo é um desenvolvimento sustentável sim, o do capitalismo, ou seja, as estratégias de sustentar e garantir a continuidade (e incremento) da ordem capitalista que nos domina. E aí chama atenção a dificuldade que temos aqui no Acre em fazer essa discussão, logo aqui onde, com o "governo da floresta", lá nos seus primórdios, pretendíamos um outro desenvolvimento, uma espécie de ecodesenvolvimento. E aí, estamos vencendo a parada? Conseguimos nos manter íntegros nesta caminhada? Ou o barco está adernando, o mercado é mais forte e, por mais que lutemos, corremos o risco de naufragar em nossas propostas? Ou grupos menos interessados na conversa ambiental e na diversidade sociocultural estão no poder? A florestania, em sua concepção original filosófica, foi finalmente de todo descartada? 

Tema pra conversa é o que não falta. Talvez o que falte seja liberdade para pensar sobre o que não costumamos pensar, sem saber onde vai dar... A questão do manejo é complexa, e digo isso sem ser especialista no tema, embora conhecedora dos grupos tradicionais que vem sendo envolvidos nele. O capitalismo taí, na nossa cola, como fazer para mantermos a floresta? E aí o manejo aparece como solução irrecusável. Mas talvez o problema seja justamente o capitalismo, como estão gritando os manifestantes de Wall Street. Aceitamos o manejo pra viver menos mal sob o capitalismo? Já ouvi isso de alunos e amigos da engenharia florestal.

Desconfio desta formula, mesmo porque, para além do manejo, estamos mesmo queimando a floresta, está mais quente, as "mudanças climáticas" estão aí, é só conversar com seringueiros de Feijó pra saber que há deles que, quando vão cortar seringa, precisam levar uma garrafinha de água pra estrada pois os igarapés (aqueles de água friinha, que mesmo no verão estavam lá) agora secam. O manejo florestal não é algo técnico strictu sensu, embora envolva conhecimentos técnicos (que inclusive não deveriam ser inteiramente credidatos à ciência, como se os povos da floresta não a manejassem sem nós). Então não estamos tratando de algo neutro, o manejo tem também sua ideologia, implica uma ontologia sobre o que é a floresta, o que ali vive, como vive, o que fazer etc.

Talvez ele seja bom para as madeireiras (embora elas se queixem que os custos subiram muito), para os trabalhadores nelas empregados, para o governo. Talvez. Mas eu estaria interessada mesmo é no que percebem os diferentes seres que vivem na floresta de fato: índios, seringueiros, agricultores, castanheiros, onças, pacas, antas, macacos, tatus, nambus, surubins, mandins & cia. Nessa discussão, sinto falta de argumentos de um tipo de pesquisa, a antropológica, a etnografia, o nome que queiram dar, o importante é autonomia e qualidade. Pesquisa apoiada em trabalho de campo, daquele de ir lá morar um tempo, conversar com as pessoas, acompanhar in loco a vida na floresta, levar a sério o que os moradores da mata estão dizendo e avaliando, o que dizem sobre sua relação com a mata e os seres não-humanos, que mudanças percebem, como estão sendo afetados pelos empreendimentos madeireiros empresariais e também pelos comunitários, se estão felizes e satisfeitos, não só com dinheiro no bolso, mas com a vida mesmo. Esta conversa mais qualificada, ainda não vi acontecer.