sábado, 4 de maio de 2013

Encontro Amazônico de Saberes Consorciados Contra o Desmatamento

O Encontro foi uma experiência de cartografar e estimular consórcios de conhecimentos e conhecedores na região do Vale do Juruá acriano. (Foto: Enaiê Apel) 
Assim foi batizado o Encontro Regional do Acre que ocorreu entre os dias 20 e 22 de abril, na cidade de Cruzeiro do Sul, uma parceria entre o PNCSA, o Laboratório de Antropologia e Florestas (que, na UFAC, sedia o Núcleo Acre) e o Grupo Vida e Esperança, que atua na Reserva Extrativista do Alto Juruá. Mas não foi só um nome de batismo para o Encontro. Refletiu antes a intenção de avaliar as chances de um consórcio de conhecimentos para fazer frente ao padrão majoritário de desenvolvimento que avança sobre a Amazônia. Favorecido por políticas públicas e pela posição do país no mercado mundial de commodities, sua característica mais emblemática é o desmatamento. 

A idéia de “des-matamento” como um “des-conhecimento” foi explorada. Acima, Antonio Texeira da Costa, conhecido por Caxixa, líder do Grupo Vida e Esperança. (Foto: Enaiê Apel)

Para tal, estiveram presentes no Encontro 35 pessoas, entre pesquisadores da floresta e da academia. Da floresta vieram agentes agroflorestais, professores, artistas, inventores e agricultores, todos envolvidos em experiências autorais que apontam para alternativas de  vida e futuro na floresta, da floresta e para a floresta. Junto com antropólogos e biólogos, entre outras formações acadêmicas, procurou-se discutir a própria ideia de “conhecimentos tradicionais”, sua dimensão política como alternativa a processos de desmatamento e a proposta de uma rede que possa divulgar essas experiências e potencializar a atuação conjunta. 

Lideranças da Terra Indígena Kaxinawá do Humaitá, que realizam uma experiência de compartilhar seu território com índios “isolados”. (Foto: Enaiê Apel)

O Encontro propôs, portanto, um diálogo entre conhecimentos que têm vigência em diferentes espaços, obedecem a distintos pressupostos culturais e critérios de validade, e são produzidos em condições contrastantes entre si. Um, o dito tradicional, por meio do aprendizado cotidiano e direto, envolvendo muita troca e circulação livre de informação, e o outro, dito científico, requerendo salas de aula, muita leitura e escrita e uma apropriação privada do conhecimento produzido, cuja forma limite seriam as patentes. Por outro lado, ambos regimes de conhecimento requerem observação, experimentação e muita pesquisa, e neste sentido podem ser descritos como “científicos”.

Além de terminologia diferenciada, regimes de conhecimento são regidos por lógicas próprias. (Foto: Enaiê Apel)  

Realizar um diálogo mais simétrico e explorando possibilidades de tradução e composição foi um objetivo de fundo do evento, mesmo considerando todas as dificuldades que uma tal perspectiva enfrenta, em especial na universidade onde a ciência e suas verdades são produzidas.
 
Gerações, etnias e conhecedores: uma conversa que já tem história no Juruá. Na foto: Mauro Almeida (chapéu vermelho), da Unicamp, seu Milton (Kuntanawa, rio Tejo), Francisco (Arara, rio Cruzeiro do Vale) e seu Antonio de Paula (seringueiro veterano). (Foto: Enaiê Apel)

Para desenhar o que foi pensando como uma cartografia de rede e de conhecimentos, os grupos presentes foram convidados a apresentar suas experiências. Estas foram entendidas como os próprios conhecimentos que esses grupos detém e põem em ação. Por meio de desenhos, fotos, filmes e falas representantes do Grupo Vida e Esperança, dos povos Kuntanawa (do alto rio Tejo, dentro da Reserva Extrativista do Alto Juruá), Kaxináwa (dos rios Jordão, Breu e Humaitá), Ashaninka (do rio Breu) e ainda o sr. Manoel Bezerra, cientista nativo que trabalha com extração de óleos para fabricação de sabão e sabonete, expuseram suas atividades, pesquisas e métodos.

Membros do Grupo Vida e Esperança apresentam seu trabalho na Reserva Extrativista do Alto Juruá. (Foto: Enaiê Apel)

Falas lideradas por pesquisadores acadêmicos (Mariana Ciavatta Pantoja, sobre a associação entre conhecimentos tradicionais e a floresta; Alfredo Wagner, sobre a dimensão política dos conhecimentos tradicionais; e Mauro Almeida, sobre a ideia de rede) ocorreram nos diferentes dias do Encontro e visaram provocar reações e participação dos presentes.

Inversão dos papéis e posições costumazes no ambiente universitário convencional seria um pressupostos para a fundação de uma verdadeira “universidade da floresta”. (Foto: Enaiê Apel)

Se houve momentos em que se sentia a dificuldade pela qual uma tal conversa de saberes pode trafegar, houve outros em que as falas de sucederam, ou mesmo tomaram a palavra do “palestrante”, conduzindo o fio da conversa para um debate epistemológico. Na fala de Alfredo Wagner, por exemplo, a ideia academicamente tão falada de que conhecimentos tradicionais são um “campo de disputas” passou por diferentes entendimentos. A noção de que a tradicionalidade é uma “invenção” também enfrentou questionamentos.
 
Jucelino Rodrigues, o Peba, do Grupo Vida e Esperança, antigo monitor socioambiental e defensor da Reserva Extrativista como uma alternativa de vida. (Foto: Enaiê Apel)
Um outro retrato destas situações foi a espécie de subversão pela qual a mesa dos palestrantes sempre passou, com “a platéia” nela se instalando para fazer suas falas e a reconfigurando [a composição das mesas] seguidamente. Todos ali eram professores em suas diferentes áreas e campos de conhecimento. Interessante notar que, de alguma forma, isso se repetiu também no evento público na UFAC, no dia 22 à noite, no qual todas as perguntas da platéia foram direcionadas para os pesquisadores da floresta Antonio Caxixa e Ibã Huni Kuin, que imprimiram sua marca própria naquele espaço acadêmico (“mesa-redonda”), por exemplo levantando de seus lugares e se aproximando dos ouvintes para ouvir e responder perguntas dos alunos presentes.

Aluna da UFAC e o professor Antonio Caxixa. (Foto: Enaiê Apel)
Voltando ao Encontro, no dia 22, pela manhã, foi finalmente exposto no chão um mapa de 2 mts x 3 mts contendo informações hidrográficas e de regularização fundiária (Terras Indígenas e Unidades de Conservação), e no qual todos, sem sapatos, puderam, literalmente, sobre ele se debruçar e plotar suas localidades, experimentos e ameaças utilizando ícones-cores comuns. Um primeiro passo para o que pode vir a ser um mapa impresso de rede, espera-se, foi dado ali.
 
O trabalho sobre o mapa arrematou o esforço de cartografia de conhecimentos, experiências e ameaças realizado durante o Encontro. (Foto: Enaiê Apel)

Um espaço foi também reservado para que Alfredo Wagner, coordenador do PNCSA, expusesse para os presentes o projeto financiado pelo Fundo Amazônia que viabilizou não só o Encontro, como viabilizará alguns de seus desdobramentos ao longo deste ano e 2014. Dados sobre o orçamento total do projeto, itens financiados e valores, o custo do Encontro, entre outros, foram repassados aos presentes.

Ao final do evento, algumas diretrizes foram recolhidas no sentido de pautar as ações do PNCSA no Acre, mais propriamente no Vale do Juruá, região privilegiada pelo acúmulo de relações de pesquisa da equipe responsável e pela quantidade de áreas protegidas existentes, experiências em curso e pela notável sociodiversidade que a marca. Ficou claro que atividades que dessem continuidade a este primeiro Encontro – como oficinas, capacitação e divulgação – são necessárias, e enfatizou-se que elas deveriam agora passar para uma escala local e dar continuidade aos intercâmbios entre conhecimentos e conhecedores, expandindo a capacidade de mobilização da rede.