Estes dias chegou na minha caixa de email uma carta ao governador do Acre, Tião Viana. Uma carta anônima. Anônima por medo das perseguições costumazes que, afirma o(a) autor(a) costumam sofrer os críticos do, já vai longe, governo "da floresta" e, hoje, "do povo" - continuamos insistindo nesta separação, e o campo da política pública é mestre nisto!
Resolvi postar a carta aqui pois trata de relevante interesse nosso - humanos e não humanos: a distribuição de sementes trangênicas, da Monsanto, no nosso estado, a agricultores desejosos de viver da agricultura. Trata das nossas opções de desenvolvimento, do enaltecimento do agronegócio monocultor em detrimento de opções mais locais e inovadoras. É como diz a própria Vandana Shiva citada na carta: neste modelo de desenvolvimento, não há lugar para o pequeno.
CARTA ABERTA AO GOVERNADOR DO ACRE
SOBRE A LIBERAÇÃO DO MILHO TRANSGÊNICO
FACE
À LEI ESTADUAL N. 1.534 DE
22 DE JANEIRO DE 2004
Rio Branco, AC, 19/04/13 (dia do
índio, o maior agroecologista que conhecemos).
Senhor
governador Tião Viana,
Venho por meio desta
questionar vossa senhoria acerca da distribuição do milho transgênico "Yeldgard
VT Pro2", criado e patenteado pela empresa Monsanto, e trazida ao Acre
pela sua parceira Agroceres, uma vez que dispomos da Lei Estadual n. 1.534, de
22/01/2004, que "veda o cultivo, a manipulação,
a importação, a industrialização e a comercialização de Organismos Geneticamente
Modificados (OGMs) no Estado do Acre". Venho de forma anônima, temendo as costumases perseguições que
sofre quem questiona o governo.
Senhor governador, a Lei
n. 1.534 que o seu irmão, Jorge Viana, assinou, foi revogada?
Esta mesma lei diz que é "vedada a comercialização de
produtos que, em sua composição, contenham substância proveniente de OGMs e que
tenham como destino a alimentação humana ou animal". Mas hoje, nos supermercados, não encontramos
nenhum cuscuz (nosso pão-de-milho) nem munguzá que não seja transgênico!
E
que fim levou o "CTEBio", criado na Lei n. 1.534, com diversos
representantes da sociedade civil ? Ele foi criado? Funciona?
Estes
dias mesmo, senhor governador, saíram mais notícias denunciando a empresa que
talvez seja a mais criminosa do mundo, a Monsanto, pela epidemia de suicídios
de agricultores endividados na Índia, escravizados pelos pacotes tecnológicos
da empresa ("As sementes de suicídio da Monsanto" http://racismoambiental.net.br, em 15/04/2013, escrita pela renomada cientista Vandana Shiva). Porque o seu
governo decidiu fazer parceria justamente com esta empresa, tão criticada e
processada no mundo inteiro?
Tempos
atrás, senhor governador, foi publicado o importante estudo do Prof. G. Séralini,
da Universidade de Caen, na França, demonstrando que o milho transgênico está
causando diversos casos de câncer, e graves doenças do fígado, rins e mortes em
ratos (ver em http://aspta.org.br/2012/09/o-fim-da-duvida/
e diversos outros sítios na internet). As fotos dos ratinhos cancerosos são
alarmantes, em que os tumores têm tamanho de bolas de ping-pong. As pesquisas
deste grupo são tão perseguidas pelas empresas que precisaram
ser feitas em alto grau de sigilo.
Agrotóxicos e transgênicos
são absolutamente prejudiciais à
biodiversidade e à saúde humana, e são pacotes de grandes multinacionais
e bancos de crédito que escravizam os
produtores e, pior, os transgênicos exigem e fazem parte de um processo
de crescente uso de agrotóxicos nas
lavouras. "Coincidentemente", as mesmas empresas que produzem os
agrotóxicos, produzem as sementes transgênicas vinculadas (resistentes) aos
seus próprios agrotóxicos!
Em diversos países do mundo,
boa parte dos agrotóxicos e todos os transgênicos são proibidos. O Brasil vem
dando um péssimo contra-exemplo, servindo de verdadeiro lixão de despejo dos
agrotóxicos mais perigosos que existem, sendo hoje o país de mais alto consumo
destes venenos, que estão condenando populações inteiras ao câncer, como em
Lucas do Rio Verde (MT), Unaí (MG) e cidades do Ceará. Tornando os brasileiros
todos cobaias, num contexto em que a ANVISA é sumariamente impedida de
trabalhar e o CTNBio é dominado pelas empresas, que, aliás, já as liberou de
qualquer licenciamento ambiental ou monitoramento dos transgênicos no ambiente (http://aspta.org.br/campanha/boletim-536-11-de-novembro-de-2011/).
É incrível como os governos
brasileiro e estaduais estão se aliando a estas megaempresas que ganham rios de
dinheiro em cima de crimes ecológicos, sociais e de saúde pública.
Senhor governador, hoje já
é de conhecimento de todos, com vasto material bibliográfico e na internet, as
campanhas permanentes "contra os agrotóxicos e pela vida",
"Brasil ecológico, livre de transgênicos e agrotóxicos" e
semelhantes, lideradas por cientistas pesquisadores de renome, Fundação Oswaldo
Cruz, organizações agroecológicas e de agricultores familiares, IDEC (Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor), entre muitas outras.
Como é que o governo do
Acre distribui sementes de milho transgênico gratuitas, via Secretaria de
Agricultura e Pecuária, dizendo que isto é "desenvolvimento
sustentável"? Pior é alardear em tons de lavagem cerebral que trata-se de
uma "nova semente", com "inúmeras vantagens", tranzendo
"tranquilidade" ao produtor, que afirma sorridente "este milho
aceita bem o veneno contra pragas". (http://www.agencia.ac.gov.br/index.php/noticias/producao/17379-secretaria-de-agropecuaria-apresenta-novidade-para-plantio-de-milho-a-agricultores.html).
É, senhor governador, este
milho de laboratório "aceita bem o veneno", mas e nós, e os seres
vivos dos nossos ecossistemas, "aceitamos bem o veneno"? O senhor e
seus filhos aceitam? Será que nossos filhos e netos, ou nós mesmos, não
sofreremos com estes cânceres e doenças graves decorrentes deste e outros
agrotóxicos e transgênicos?
As empresas estão deitando
e rolando em cima do governo brasileiro desenvolvimentista e suicida. Cuidado,
senhor governador, para não seguir cometendo este erro, e faça cumprir sua
própria Lei n. 1.534 de 2004.
Queremos nosso pão-de-milho
e munguzá naturais de novo, queremos não ter que morrer de medo ao nos
alimentarmos todos os dias! O Acre tem natureza abundante, não precisa de
agrotóxicos nem de transgênicos.