domingo, 27 de janeiro de 2008

Porto de Manaus

Ainda em Manaus, fui conhecer o porto, e o mercado (ou mercados) lá existentes. Primeiro, o porto. Fascinante. Coloco aqui algumas fotos tiradas por Rosa Acevedo, pesquisadora e companheira de passeio.

Fazia muito tempo que não via um lugar tão sujo, um lugar tão vivo. Era uma quantidade imensa de coisas acontecendo ao mesmo tempo: peixes sendo vendidos, os barcos de passageiros (“barcos de linha”) chegando, bananas sendo descarregadas, cachorros correndo pela margem, uma mulher de galochas catando latinhas de alumínio, coisas diversas sendo desembarcadas, canoas aportando, no meio da água, na beira, um homem dormindo numa rede amarrada em estacas. Lembrou-me a Idade Média, embora não saiba nada sobre ela; pensei: aqui a Civilização passou longe. Nossa, como gostei de estar ali naquela confusão!


Andamos então por uma espécie de mercado de artesanatos diversos. Comprei uma rede de tucum e cuias decoradas. Dali, visitamos o mercado de peixes, ao lado o de carnes. Do primeiro gostei mais, vi peixes imensos, lindos, porém mortos, esperando para ser comidos... O segundo, atravessei de cabeça baixa. Não dava. Não como carne vermelha, acabo achando a cena meio macabra.


Cruzando então por corredores, chegamos ao mercado das bananas, onde na entrada havia uma espécie de exposição (ou instalação) de pupunhas. Muito lindas e coloridas! E gostosas. Compramos um cacho, servido no intervalo do nosso Encontro, cujas frutas desmachavam na boca... O mercado das bananas, para mim, foi um arraso: sou louca por bananas! Lá compramos também um cacho.


Manaus agora tem pelo menos dois fortes apelos: o Projeto Nova Cartografia Social e o mercado do porto.

sábado, 26 de janeiro de 2008

- Uma coisa é o formado, outra é o desinformado!

Assim, dona Maria Nice Aires, do Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu, resumiu uma conversa que alguns pesquisadores, durante o Encontro que referi na postagem anterior, estavam tendo sobre a universidade como um lugar possível para uma atividade acadêmica engajada, comprometida com os movimentos sociais, as causas dos mais desfavorecidos deste meu Brasil.

Cada um dos que estavam ali conversando lida no seu dia-à-dia profissional com lutas sociais, de seringueiros, de ribeirinhos, quilombolas, atingidos por grandes obras, como a da (insana) transposição do São Francisco. Se minha memória não me trai, havia um tom de auto-crítica quanto ao valor da nossa contribuição enquanto intelectuais. Dona Nice então interviu e nos deu uma aula sobre a diferença entre aquele que é formado, não só na academia, mas na escola da vida, que está ciente do que é a vida real, que se compromete com aquelas pessoas e populações que tanto colaboram para suas pesquisas; e, por outro lado, aquele outro, o desinformado, que pode até ter um título, mas que nada sabe sobre a realidade.

Dona Nice tornou, para os que a ouviam, a universidade um local mais interessante, e nossa experiência e formação ganhou, pelo contra-ponto por ela estabelecido, matizes e tonalidades mais atraentes.

Brasil vivo

Há uma semana fiz uma viagem. Fui a Manaus. Foi muito legal. Mesmo. Não pela cidade, pois sinceramente Manaus não me atrai, me remete a imagem de uma São Paulo amazônica. Mas o que me levou lá é que valeu toda a viagem e o esforço que significou, naquele momento em especial, sair de casa. Fui participar do II Encontro de Pesquisadores e Movimentos Sociais de dois projetos voltados para a elaboração de “cartografias sociais” de povos e comunidades tradicionais no Brasil, embora com foco maior na Amazônia.

O ponto de partida é que tanto nas cidades quanto nos interiores há – e como há!!! – populações lutando por direitos territoriais, direitos estes muitas vezes ameaçados de forma violenta e que põe em risco a própria vida dos que lutam. Territórios contestados, cuja cartografia torna-se um instrumento de luta e reivindicação. Há os mapas oficiais, aqueles do governo, há aqueles que grandes empresas, como a Vale, por exemplo, podem produzir para demarcar as áreas sobre as quais afirmam ter direitos legais, mas e as populações locais, quais são seus mapas? Da onde vem? Onde são produzidos? Pois bem, são produzidos por elas mesmas em oficinas de curta duração, precedidas por muita conversa, e depois sintetizadas numa publicação de fácil manuseio.

Nestas publicações encontram-se informações construídas pelos próprios participantes sobre o território que consideram como um direito seu, seja pelo uso que fazem, seja pela história de ocupação, ou outros critérios relevantes. Ou seja, um mapa cuja cartografia obedeceu ao que foi considerado socialmente significativo pelos próprios moradores. As legendas, são todas produzidas localmente. São mapas vivos. Buscam dar visibilidade e legitimidade a demandas que de outra forma jamais encontrariam um meio de expressão tão impactante e comunicativo quanto a representação cartográfica. É incrível como um mapa comunica, e dialoga com outros mapas.

Em Manaus, deparei-me com um Brasil vivo, diverso, dinâmico, pulsante. Confesso que fiquei mesmo surpresa. Visitamos, por exemplo, uma aldeia Sateré-Maué em plena Manaus. É inacreditável como a gente não sabe de nada do que acontece neste país... é uma pena. Perdemos muitas oportunidades de ampliar horizontes, idéias e nossa participação como brasileiros realmente interessados no futuro da nação, interessados no que estamos nos tornando, ou no que nosso país está sendo tornado.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Final de dia

Sinto-me partida por dentro
E não sei como juntar os cacos da minha consciência
Quase muito pouca coisa faz sentido
E o refúgio do coração está desarrumado

Em meio a uma busca de sentido
- de um sentido meu -
tateio, tateio... todas as pistas me parecem enganadoras
Ah, que penso eu? Que sinto eu?

O sol, dourado, das 17 hs, é a única certeza.

(Salomé de los Rios)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sobre tragédias e dependências

O Vale do Juruá está assolado por cheias: as conhecidas "alagações". Dá no rádio, na televisão, na internet. Há mais de 20 anos não se via algo nessas proporções. E como avisa um amigo, professor da Ufac, no momento em Marechal Thaumaturgo, o que mais impressiona é a velocidade com que as águas subiram. Marechal Thaumaturgo encontra-se hoje impressionantemente debaixo de muita água. Locais altos (e olha que o centro do município é num barranco medonho de alto!), estão quase atingidos pelas águas. Na foto acima, ao fundo vemos ainda a pista do aeroporto, estamos mesmo na foz do rio Amônea,e a placa que ainda aparece fica(va) no alto de um barranco. Casas estão submersas até quase seus telhados, muitas perdas para os moradores.

Este era o quadro que ontem ouvi num noticiário da Aldeia FM. Um membro da Defesa Civil, acho, ou da Prefeitura, já nem sei bem, falava das providências que se estava tomando para que as famílias fossem abrigadas, e mesmo alimentadas já que teriam perdido suas plantações e agora o poder público teria que garantir que tivessem o que comer.

Esta última parte me chamou atenção: o governo tem que alimentar essas pessoas, todas elas trabalhadoras, agricultores e criadores. Na hora não pude reprimir um pensamento: aprofunda-se a dependência dessas populações com relação ao Estado; perde-se em autonomia. Explico a linha de raciocício que me ocorreu:

Sempre houve alagações nos rios, sempre, desde que o rio é rio, e desde que as primeiras populações começaram a habitá-lo. Prefeitura, Defesa Civil, governo do estado & Cia. é que são coisas novas. Mas agora, imprescindíveis, ao que parece. O que mudou? Fico imaginando, e relembrando, pois lembro de uma alagação por volta de 1996 a que assisti no alto rio Juruá, que em tempos anteriores as casas eram de paxiúba e palha, e neste sentido mais, digamos, descartáveis, ou antes reconstruíveis. As criações - galinhas, patos e porcos, punha-se dentro de casa. Os roçados mais permanentes, sempre em terra firme, mais distantes das zonas alagáveis. O padrão de ocupação também era mais esparso, menos concentração de casas, de gente e menor impacto sobre o meio. As pessoas não tinham outra saída que não ajudar-se mutuamente.

Hoje, como conta o Marcus Athaydes, este amigo que falei há pouco, o desmatamento avançou incrivelmente, descascando a terra que, rapidamente endurecida por secas e usos inadequados, acabou perdendo sua capacidade de absorção das águas que caem e que enchem rapidamente a calha dos rios. Os rios também estão em processo de assoreamento, o que quer dizer que estão mais rasos. As pessoas moram mais juntas e usam mais intensamente o território: agricultura e pecuária implicam em desmatamentos. O gado, que fazer quando vem a alagação? Já pensou que loucura um boi dentro de casa? E agora as casas são de madeira serrada, do Incra, e o prejuízo, meu Deus, é grande. O que diz o contrato do Incra sobre alagações que destroem as casas? Tem seguro? As áreas mais distantes, onde ficavam os roçados, talvez estejam mais acessíveis a água, não sei, provável. Um monte de gente morando junto, privadas e lixo, já imaginou o caos quando vem a alagação? Enfim, parece que o modo de vida de hoje é bem menos sustentável do ponto de vista da alagação, que, por sua vez, ganhou força por todas as mudanças que este próprio modo de vida causou - e assim entramos na bola de neve.

Claro que o poder público tem que fazer o seu papel! Mas poderia ter feito outros papéis para impedir que chegássemos neste ponto, não? Mas que coisa louca: até eu estou me sentindo dependente do Estado!

domingo, 6 de janeiro de 2008

A Enciclopédia da Floresta e a Florestania

Mauro Barbosa de Almeida


1. Reserva Extrativista

Quero agradecer, em nome de Manuela Carneiro da Cunha, que não pôde comparecer por motivos alheios e em meu nome, a Fundação Elias Mansour e ao governo do Estado do Acre pela honrosa premiação [Prêmio Chico Mendes de Florestania, em cerimônia ocorrida no dia 21/12/2007], que nos coloca em companhia honrosa da querida ministra Marina Silva, nossa amiga comum, bem como de Mary Allegretti, de Joaquim Tashkã Yawanawá e outros nomes ilustres.

Em primeiro lugar, quero expressar minha honra em ser associado com esse prêmio à figura de Chico Mendes. A ele foi dedicada a Enciclopédia da Floresta [São Paulo, Cia. das Letras, 2002]. Embora não tenha participado diretamente da luta dos seringueiros pela Reserva Extrativista do Alto Juruá, foi quem não apenas promoveu e aprofundou a idéia das Reservas Extrativistas, como teve a iniciativa de convidar Antônio Luiz Batista de Macedo, em janeiro de 1988, para representar o Conselho Nacional dos Seringueiros no Alto Juruá, iniciativa a partir da qual Macedo concebeu o projeto da Reserva e liderou a luta regional para criá-la, vencendo resistência em companhia de Chico Ginú, de seu Milton Gomes e de outros seringueiros organizados nas delegacias sindicais do Alto Tejo e do Rio Bagé.

E fazer essa homenagem significa lembrar a urgente necessidade de ações políticas que devolvam às Reservas Extrativistas seu espírito original, evitando por um lado "a perda de substância cultural nas comunidades da floresta", e por outro lado a anomia que faz com que "em áreas conquistadas pela luta dos seringueiros, hoje todo mundo manda, e só quem não apita é o seringueiro", conforme bem disse Antônio Alves em 2003 sobre o Alto Juruá, em palavras que são hoje ainda mais verdadeiras que então.

2. Florestania

Mas o prêmio atribuído a Manuela Carneiro da Cunha e a mim significa principalmente o reconhecimento de que o livro que ela e eu organizamos contribuiu para "consolidar o conceito de florestania". Ficamos muito honrados com isso. Pois, de fato, esse conceito, que foi criado por Antônio Alves, o Toim, contém em síntese o programa da Enciclopédia e vai além. É o que gostaria de explicar melhor como é que o entendo e como tenho utilizado em palestras e artigos.

Em 1994, Toim Alves se mostrava insatisfeito com o caráter restrito da idéia de "cidadania". Em 1997, afirmou em um seminário do Centro de Trabalhadores Amazônico (CTA): "Nosso patrão é a floresta". E em 1998, afirmou que "O Acre não é um estado, é um problema ontológico", perguntando-se: "Pode o provincianismo ser filosofia?" (Artigos em Geral, páginas 51, 94 e 117).

A resposta é que sim, pode. E um resultado dessa filosofia, ancorada na complexa história do Acre, foi justamente a idéia de Florestania. Para entender melhor esse conceito é útil ter em mente que, se não estou enganado, Antônio Alves distinguiu três níveis no mundo, se é que eu posso me atrever a simplificar assim o seu pensamento. Um é o plano do corpo, da materialidade, da economia, da produção. Outro é o da mente, dos conceitos, dos projetos. Mas um terceiro plano, o do "espírito da coisa" ou, se quiserem, do "imaginário" ou ainda do "sentimento", que é aquele em que se localiza a idéia de Florestania.

Pois a Florestania não está no plano da floresta como matéria-prima, nem apenas na floresta como repositório de informação genética, mas se situa no plano daquilo que o filósofo alemão Imannuel Kant designou como as idéias transcendentais, por meio das quais a razão humana é capaz de ir além da experiência e dos conceitos, para navegar rio acima, transpor cachoeiras rumo a terras desconhecidas. É essa razão humana, criativa e revolucionária, que constrói varadouros para as utopias e as revoluções, apontando para idéias que, mesmo que não correspondam a algo que não estejamos vendo hoje, atuam como um foco imaginário que inspira e que regula nossas ações.

A Florestania é uma idéia transcendental e revolucionária. Ela significa que no planeta são sujeitos de fato e de direito "os povos que nele habitam, as gerações que ainda virão habitá-lo, os animais, as árvores, a luz, a água e até as pedras" (Artigos em Geral, p. 130). E quem duvidar que pedras possam ser sujeitos, leia as primeiras páginas da Enciclopédia, ou pense no pensamento dos povos andinos a respeito do caráter ativo e sagrado de montanhas.

Para a Florestania, esses entes, humanos e não-humanos, são fins em si mesmo, e não apenas coisas-recursos que estão lá para nosso desfrute, como os colonizadores no passado, o "nós" da época, afirmavam em relação aos índios e aos negros, que eram então tratados como recursos. Ora, a conclusão dessa idéia de que pessoas, plantas, animais, pedras são sujeitos de direito, é que "A florestania lembra que devemos ampliar nossa noção de democracia". Como? Diz ele:

"É necessário incluir os votos dos que ainda não nasceram. E é necessário prestar atenção aos que não sabem falar nas assembléias para que seu silêncio não seja confundido com concordância".

E lembra que há muitas maneiras pelas quais entes não-humanos podem falar:

"E o que dizer da participação não-humana nas decisões? É possível que a política agrícola, por exemplo, seja contestada pelo tempo – que resolveu não chover. Ou pelo atraso na floração das árvores, por uma migração inesperada de pássaros, por uma praga de lagartas. Ou porque muita gente ficou panema e faltou comida na hora do mutirão" (Antônio Alves, Artigos em Geral, p. 133).

Os não-humanos participam de decisões pelo protesto. Recentemente, um aluno de minha colega Nádia Farage descreveu, do ponto de vista indígena, uma ação coletiva dos peixes no Alto Rio Negro que organizaram sua piracema de modo a transformá-la em boicote da pesca abusiva.

Mas há outra forma ainda de instituir essa democracia florestal, na forma do "Parlamento das Coisas" de que nos fala o francês Bruno Latour. Os ecossistemas, os pássaros, as águas, o Caipora causador da panema, podem ser representado no parlamento, assim como "aqueles que ainda não nasceram" e "aqueles que não podem falar".

3. Enciclopédia da Floresta

E aqui se situa como modéstia contribuição a Enciclopédia, que deveria ser isso: um parlamento para cientistas e para moradores humanos e não-humanos.

Uma das idéias da Enciclopédia da Floresta é mostrar que a biodiversidade do Alto Juruá é ao mesmo tempo diversidade de animais, de plantas e de ecossistemas, e diversidade de pessoas, de modos de vida e de idéias. Com isso, defendíamos o princípio de que era possível sim combinar conservação e diversificação da natureza com vitalidade da vida humana.

A outra idéia era mostrar, com o exemplo dos capítulos e ilustrações com múltiplas autorias, de diversos povos indígenas, de seringueiros de origens variadas e de cientistas de distintas especialidades, que o "saber técnico-científico e o saber intuitivo-empírico" podiam colaborar e aprender um com outro, mantendo cada qual seus princípios e seus métodos, e sem se dissolverem num mujangué geral.

Finalmente, queríamos mostrar que os seringueiros são um povo de cultura, e não apenas proletários sem "cultura, sem religião, sem governo", como se dizia antigamente dos próprios índios, e assim legitimar no plano cultural suas reivindicações a moradores da floresta.

O que é e onde está a Enciclopédia da Floresta? Como dissemos Manuela e eu na Introdução, a verdadeira Enciclopédia são os moradores da floresta. São os humanos e suas práticas, com seus conhecimentos tradicionais, e são as plantas e animais, com o patrimônio genético a eles associados. Desse primeiro ponto de vista, a floresta com seus moradores, humanos e não-humanos, constitui para nós um depósito de "informação". Por isso, não é à toa, que a floresta é comparada a uma Enciclopédia, isto é, a um repositório de informação.

Mas não basta comparar a floresta a uma enciclopédia tradicional. Pois se assim fosse, bastaria registrar os conhecimentos tradicionais dos seus moradores e colecionar os genes e moléculas lá contidos, depositando tudo isso para sempre em páginas de papel. E não precisaríamos mais da floresta em pé.

Precisamos ir mais longe, usando como inspiração a idéia de florestania. Os moradores e entes da floresta não são nem mera matéria-prima para alimentar nossas necessidades materiais, nem mero depósito de informação que nos poderá ser útil para fármacos. A floresta que temos em mente é mais do que isso, porque na floresta de pé a informação circula constantemente e os entes se reproduzem: ela tem, além de corpo e mente, um ou vários espíritos. É assim que ela tem vida, e gera constantemente novas informações e novos entes.

Se é uma Enciclopédia, deve ser como uma Wikipedia que está em constante fluxo, ou como uma Universidade Aberta. Nela, vizinhos trocam com respeito o corpo de animais, com assentimento dos Caboclinhos e Caiporas, as agricultoras trocam manivas, alimentando a diversificação vegetal por meio de fluxos gênicos. A tradição é o método humano para transmitir e inovar; a evolução é o método da natureza. Essa síntese de conhecimento continuamente operada por humano e não humano é o espírito da floresta.

Nós registramos essa síntese em livros. E comparamos a Floresta e seus moradores a uma Enciclopédia, e a uma Biblioteca composta por muitos livros. Mas agora vemos que, para fazer justiça a natureza viva da floresta, uma verdadeira "Enciclopédia da Floresta" deve estar continuamente em recriação. Deve ser uma série contínua de publicações de obras de moradores da floresta, ao lado de obras de cientistas que atuem como tutores de bichos, plantas, pedras e águas, de relatos trazidos por espíritos pelos pajés – alimentando assim tanto a continuidade quanto a inovação. Assim podemos, conforme o ponto de vista, dizer ou que a Floresta é uma Biblioteca de tradições e de informação genética que se renova continuamente, ou que nossas bibliotecas devem ser como uma Floresta em que cada um de nós participa sem jamais dominarmos todos os seus segredos, acrescentando a elas novas contribuições.

Assim, concluo com a esperança de que a Enciclopédia da Floresta tenha sido um estímulo para a emergência continuada de vozes e de pontos de vistas dos moradores do planeta, contribuindo assim para essa democracia ampliada de povos, pedras, plantas e bichos de que fala a idéia de Florestania.

http://www2.uol.com.br/pagina20/03012008/papo_de_indio.htm