sábado, 11 de agosto de 2007

Um txai na academia


Pessoal, na última quarta-feira, dia 8 de agosto, o Txai Terri esteve na Ufac. Convidei-o para uma conversa com a minha turma de "Antropologia do Brasil Indígena". Queria muito que os alunos tivessem contato com Terri, personagem histórico e atuante do indigenismo acreano. Em quase todas as Terras Indígenas criadas neste estado, que hoje somam 34, Terri esteve de alguma forma presente.

Para quem não sabe, trata-se de uma história recente, dos anos 70, quando, conforme contou-nos Terri, o então governador Geraldo Mesquita enviou uma carta ao presidente da Funai em Brasília informando-o que comprara um seringal em Feijó, as margens do rio Envira, e lá deparara-se com índios. O governador alertava que estava havendo muita venda de terras no Acre para grupos do sul do país, consequentemente mudanças na estrutura fundiária - o que fazer com a situação dos índios? A Funai nem ao menos os conhecia...

Ora, nesta época nosso Txai estava em Brasília, fazendo o seu mestrado na UnB. Terri saira de Rio Branco, capital do Acre, ainda adolescente, com uma bolsa de estudos do governo, estudara em colégios jesuítas e fizera sua graduação na PUC carioca. Para custear seus estudos universitários, já sem o apoio financeiro do governo, trabalhou como professor de matemática. Depois foi para Brasília, pensando em estudar Sociologia, muito influenciado por sua formação religiosa (queria algo "social"), pelos colegas de graduação (com quem aprendeu muito, ressaltou) e também pelo interesse pelo "outro", algo que o fascinara desde que, recém-chegado ao Rio, sentira-se um autêntico estrangeiro na cidade. Queria também, ao invés de uma Sociologia urbana, algo que o levasse a locais menores, que o levasse a conhecer este "mundão de meu Deus" que é o Brasil.

Pois bem, lá na UnB teve contato com etnólogos, entre eles o renomado e recém-falecido professor Roberto Cardoso de Oliveira e sua teoria da "fricção interétnica", principal instrumento teórico e metodológico então usado para abordar a questão do contato entre brancos e índios, e que o Terri aparece explicando para os alunos na foto acima.

Voltando a carta do governador Geraldo Mesquita, de 1974, a Funai terminou por instituir diversas equipes de pesquisadores para realizar, como definiu Terri, uma espécie de censo indígena no Acre. Parece meio absurdo, mas o fato é que até os anos setenta havia um desconhecimento quase que total dos índios no estado. Não se sabia quantos eram, quem eram, onde e como viviam. Nosso txai então voltou à terra natal e foi percorrer os rios Envira, Tarauacá e Jordão.
Aí começa uma longa história, de amor pelos altos rios e sua população de gente simples e amável; e de indignação por sua situação de ausência de direitos. Terri não teve como escapar, e os Kaxinawá do Jordão - local que o encantou particularmente pelo "seringal de caboclos" que lá encontrou, chefiado pelo velho e saudoso Sueiro - são grandemente responsáveis pela adesão a causa indígena deste valoroso soldado.

Assim, a partir de 1976 começaram as identificações de Terras Indígenas no Acre. Naqueles anos, inclusive, lembrou Terri, ele chegou a trabalhar na Ufac num dos cursos de extensão, levando alunos para conhecer índios. Enquanto fazia esses trabalhos - de identificação e de extensão - Terri aproveitava para fazer suas pesquisas acadêmicas, e defendeu seu mestrado em 1977. Nesses períodos de campo, seus amigos Kaxi do Jordão pediram-lhe que ele os ajudasse de alguma forma a garantir para si uma terra.
- "Mas eu sou um estudante, que posso fazer?", respondeu. Mas logo refletiu: "posso eu me recusar a ajudar?". Inspirado por um livro de um missionário cheio de imagens do artesanato Kaxinawá, propôs: por que não juntar uma grande coleção de artesanato e vendê-la na cidade, à Ufac? E assim foi feito. Uma grande exposição acabou sendo montada na capital, e um pequeno museu constituído na universidade.

Neste período, o Acre era (na verdade ainda é, mas de uma maneira diferente) muito agitado: havia o jornal Varadouro, uma igreja atuante pelos direitos dos despossuídos, a Funai se instalando. Tudo isso, e outros fatores mais, resultaram numa visibilização dos índios e seus líderes, e não havia mais como negar: havia índios no Acre! Bom, aí começa um importante capítulo no Vale do Juruá em particular, com a criação das primeiras cooperativas para fazer frente aos patrões de então, e também a criação da própria Comissão Pró-índio do Acre. No final dos anos 80, os seringueiros do Alto Juruá, quando lutaram por sua Reserva Extrativista, muito se beneficiaram de toda esta experiência pré-existente.

Foi um longo papo este com o Txai Terri. Ele falou por quase duas horas, e cada vez tinha mais coisas a dizer... É assim com gente que tem o que contar, que viveu de perto para contar de certo. Ah, registro ainda que nossa palestra contou com a ilustre presença do Irineu, o filho Kaxinawá do Terri, que já foi apresentado em postagem anterior. No final, já indo pra casa, 124comentei com Terri: você devia escrever um livro contando toda essa história...

2 comentários:

Anônimo disse...

Precisava mesmo que alguém inventasse uma casa assim, Mariana, como esta que ergues agora no mundo virtual dos bytes, pra dar notícias de amigos, imagens de flores, lembranças da floresta pra quem vive no exílio das cidades. Vida longa e saúde. Ainda me deves uma conversa sobre aniversários e ramalhos. Não compre "Resposta a Jó", do velho Iung, pois vou te dar de presente. Pensando em você e em outras filhas da Rainha, me veio de fazer uma pergunta ao Terri, quando topar com ele: "Txai, qual é o feminino de txai?" -se é que hay...

Anônimo disse...

Mariana,


Te vi no crisblog.


Belíssimos textos encontrei aqui. Parabéns!


Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.



Abraços, flores, estrelas..



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