O segundo ciclo de discursos do Livro de Jó trouxe-me a imagem de um duelo. Um duelo de idéias, de razões, de interpretações da Lei Divina, entre nosso protagonista central e seus visitantes (os três amigos que vieram solidariamente visitá-lo: Elifaz, Sofar e Baldad).
Após as queixas de Jó contra Deus e o desejo manifesto de morrer (que encerrou a primeira postagem), Elifaz o repreende duramente afirmando-o inspirado pela culpa e denunciado por suas próprias palavras (“as culpas te inspiram as palavras”). As pretensões de Jó em verdade seriam astuciosas. Elifaz introduz o tema do ímpio, aquele que não tem fé, que é herege, que blasfema, em torno do qual os diálogos deste ciclo girarão. Fala do destino do ímpio, que será sempre desgraçado, sua linhagem “estéril” e mais outras coisas terríveis.
Jó retruca ironicamente, mas também revoltado: “Isso já ouvi mil vezes, sois todos consoladores importunos!” Parece dizer para os outros que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Em seguinda, “se ficar o bicho pega, se correr o bicho come” quando diz: “Se falo, não cessa minha dor, se me calo, acaso se afastará de mim?”. Acusa de ímpios os que o acusam, e protesta sua inocência: vivia tranquilo quando foi esmagado, diz. Tudo é bem dramático, e ficamos quase sem saber o que pensar. As palavras de Jó são intensas e fortes. Vejam esta passagem: “Meu rosto está vermelho de tanto chorar e a sombra pesa sobre minhas pálpebras, embora não haja violência em minhas mãos e seja sincera minha oração”.
Vou lendo e ficando sem saber o que achar, pois os amigos lhe dizem dos ensinamentos que ele deve estar recebendo com todo aquele sofrimento, que ele deve sim ter alguma culpa, que ele não deve negar isso, pois assim agiria como um ímpio. Mas Jó não cede, ele não aceita, protesta inocência, afirma-se um justo e sua perplexidade diante dos castigos que Deus lhe envia. Suas falas são, com efeito, dramaticamente densas.
Mas os amigos (agora já nem sei se são tão amigos... esta história está me deixando confusa e num suspense bom...) retrucam, e voltam a carga com a senda espinhosa e amaldiçoada do ímpio. Jó mais uma vez explode num belo discurso (não há como não admirar): “Até quando continuareis a afligir-me e a magoar-me com palavras? Já por dez vezes me insultastes: não voz envergonhais de maltratar-me? Se de fato caí em erro, meu erro só diz respeito a mim. Quereis triunfar sobre mim, lançando-me em rosto minha afronta? Pois sabeis que foi Deus quem me oprimiu, envolvendo-me em suas redes!” (o grifo é meu).
Bom, chega a vez de Sofar, que volta a carga com o tema dos ímpios, dizendo como eles são desgraçados. Jó então resolve tratar o assunto no encerramento deste ciclo de discursos (e desta postagem). E aí fala de algo que, confesso, já tinha pensado lendo os discursos (e lembrando de uns personagens da nossa elite nacional). Pois seus amigos sempre dizem que os ímpios são os mais desgraçados dos homens, que suas vidas são miseráveis etc, e aí Jó começa a fazer perguntas como “por que continuam a viver os ímpios e, ao envelhecer, se tornam ainda mais ricos?”, fala da impunidade desses malfeitores, de sua morte serena e mesmo fama póstuma. “Por que, pois, me ofereceis essas vãs consolações, se nas vossas respostas não há senão falácia?”. Assim termina o segundo ciclo...
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