Ontem estive mais uma vez com Aldenira, a avó do Irineu, filho Kaxinawá do Terri (ver “Almoço Kaxi”). Aldenira, como toda mulher Kaxinawá, é uma tecelã. Com fios de algodão coloridos, as tramas dos kenê (formas geométricas, todas nominadas e relacionadas à mitologia dos Kaxi) formam e estampam redes, camisas, bolsas, faixas. É uma beleza.
Tradicionalmente , o algodão é plantado e tingido nas próprias aldeias, mas hoje já se utilizam linhas industrializadas (como as para crochê) coloridas. A princípio pareceria uma violação cultural. Mas não pode estar este novo elemento (o industrial) potencializado a própria tradição, seja aumentando matéria-prima disponível para trabalhar (sem substituir o processo tradicional), seja aumentando encomendas para as mulheres (e uma fonte de renda)? Essas e outras são possibilidades.
Bom, sou da turma que acha que os efeitos do capitalismo global sobre comunidades nativas devem ser repensados, e que devemos escapar de conceitos e termos como “aculturação”, “dominação”, “submissão ao capital” e outras terminologias afins. Com uma turma da Ufac, de Sociedade e Meio Ambiente, há pouco tive a oportunidade de reler um maravilhoso texto do Marshall Sahlins (1988) sobre a expansão do capitalismo no Pacífico. A partir dos casos da China, Hawai e Canadá, ele mostra, entre outras coisas, como estas sociedades impuseram aos ávidos agentes do capital, que chegavam a seus portos com recursos materiais e financeiros, sua própria leitura sobre o que estava de fato ocorrendo. E ainda a apropriação cultural inusitada para nós, “brancos”, daqueles mesmos recursos, que muitas vezes serviram para incrementar costumes e crenças nativas. A história mundial e, por que não dizer, do capitalismo fica enriquecida e matizada de colorações inusitadas. A incerteza da realidade é fonte de esperança – foi uma das morais da história que tirei para mim.
Esta volta é para chegar novamente na Aldenira. Um pouco mais de paciência, já estou quase lá. Agora, com a mesma turma da Ufac, estou lendo um capítulo de um livro do antropólogo Cesar Gordon, do Museu Nacional da UFRJ, sobre os Xikrin do Cateté, um dos grupos Kayapó existentes. Quando Cesar chegou lá, ficou bastante surpreso quando viu os índios totalmente interessados nos mundamos assuntos do dinheiro e do consumo de bens industrializados. Como entender tudo aquilo? Li só o primeiro capítulo, mas é bem interessante, e ele sugere que há um “sentido indígena” em toda aquela apropriação da modernidade.
E aí chegamos na Aldenira. Encomendei a ela camisas Kaxinawá, e para tal comprei as linhas que ela me indicou e também na quantidade por ela especificada. Na hora de acertarmos o preço, ela me deu o valor. Não tinha dinheiro trocado. Fomos então trocar o dinheiro. Ela logo sugeriu uma farmácia, e logo falou de um shampoo que estava precisando. Ok, entendi a mensagem, vamos lá. Ela parecia não muito à vontade na farmácia que entramos, não entendi bem por que, mas olhou os shampoos, sempre conferindo seus cheiros. Logo ouvi a palavra “condicionador”. Eu olhava para os preços e a nota que tinha na mão: daqui há pouco não conseguiria tirar o troco necessário para as camisas... Um pote de creme chegou a ser cogitado por ela, mas fiz ouvidos de mercador (o dinheiro não ia dar, justifiquei internamente). Compramos enfim um shampoo e condicionador, e o troco foi o justo para as camisas.
Logo que saímos da farmácia, andamos um pouco e ela: “Ah, era aqui que eu queria ter vindo!”. Olhei e numa vitrine da farmácia quase ao lado havia uma prateleira incrivelmente sortida de potes coloridos e de diversos tamanhos, todos produtos para os cabelos. Despedi-me dela sem saber o que pensar, mas pensando um pouco. Estiveramos o tempo todo numa barganha, muito sutil, ao menos para mim, pois não direta. Ainda estou na dúvida se entendi os termos de toda negociação que estivemos fazendo, temo que não. Torço para não ter desagradado minha parceira em nossa primeira troca ritual!
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