quinta-feira, 10 de julho de 2008

Manejo florestal: bom pra pensar

Começou de novo.


Chega o verão e assiste-se caminhões com toras passando para lá e para cá.


Nos pátios das madeireiras e serrarias do Pólo Moveleiro, aqui em Rio Branco, já há madeira estocada.


E fica a pergunta: da onde vem toda esta madeira? É legal? Como é extraída? Isso tem sustentabilidade?

O nosso secretário de Florestas, o Rezende (Carlos Ovídio Duarte Rocha), numa entrevista que vale a leitura (clique aqui) afirma que entre 5% e 6% da madeira extraída no estado é ilegal. O repórter até se espanta, já que no Pará, por exemplo, este número parece que beira os 80%. Também fiquei espantada. Nossa, que eficiência de fiscalização! Quando a gente vê a situação do Ibama no estado, sei lá, fica meio desconfiada desses números. Como eles são produzidos? Quais são as fontes que os [aos números] abastecem? O Rezende diz que um dos motivos para esta redução da ilegalidade seria a política governamental de implementação de planos de manejo florestais: quer explorar a floresta? Tem que ter plano de manejo!

E aí entramos noutra seara: a do manejo florestal, ou melhor, madeireiro, pois ao que me consta a madeira tem sido o principal foco desses planos, o principal produto econômico da floresta, então vamos dar nome aos bois (ops!). Uma coisa que sempre me chamou atenção é a idéia de que manejo florestal é algo recente, uma descoberta recente dos técnicos e cientistas. Ou então que manejo florestal refere-se aos produtos que tem valor monetário: era a borracha, a castanha ainda permanece, e o forte agora é a madeira.

Bom, entendo que manejo é algo que sempre existiu nessas florestas e realizado por quem mora nela há tanto tempo: as populações nativas. Não vou chover no molhado: é sabido que a floresta amazônica deve ser vista como um grande sistema manejado milenarmente, e não como algo totalmente “natural”. Os seringueiros, há pouco mais de cem anos também vem manejando a floresta. Manejo, como o entendo (e não sou só eu que digo isso), refere-se a um sistema de acesso e uso da floresta que combina uma série de atividades e produtos, com valor monetário ou não. A exploração da borracha sempre esteve associada a outras atividades florestais, como a caça, a pesca, a coleta de frutos, a extração de madeira e palmeiras para construções locais (residências, paióis etc), o conhecimento (expertise) das plantas medicinais, e mesmo a agricultura, que obedecia a um sistema de derruba e queima de baixo impacto. Tratava-se então de um sistema de manejo florestal, diversificado e “sustentável”, levado à cabo por unidades florestais familiares dispersas em amplos territórios, resultando numa baixa densidade demográfica. Ou seja, tudo isso para dizer que manejo não é nada novo, e sim algo histórico.

Mas o que é novo, então? O produto (madeira), o mercado (ávido!), sua cadeia produtiva (um capítulo a parte, já que extensa e cara), as questões legais (entre elas o plano de manejo), as políticas do governo (que agora incluem algo como as Parceiras Público-Privado-Comunidade, como fala do Rezende) – e o fato de que se espera que tudo isso mantenha a floresta em pé!

Bom, cada um dos fatores citados acima mereceria comentários. Farei alguns poucos. Pergunto-me como o manejo madeireiro interage com o sistema de manejo tradicional: o fortalece? Ou seus ganhos monetários tendem a descaracterizar o sistema? Claro que teríamos que considerar outros fatores aqui nesta interação, tais como o crescimento do número de rebanhos de gado entre as populações florestais, o aumento da importância dos ganhos monetários (notadamente salários) na floresta e ainda as mudanças na forma de ocupação do espaço, que parece tender a um processo de “vilarização” ou a uma maior concentração das residências em função da oferta de equipamentos públicos (escolas, por exemplo). Talvez o manejo madeireiro esteja se realizando num contexto bem diferente do tradicional sistema de colocações. Então, que realidade florestal estará se desenhando?

Semana passada li um artigo do Washington Novaes (clique aqui) no qual ele trazia um dado impactante: um estudo da Embrapa mostrou que a extração de uma espécie madeireira muito visada, a maçaranduba, necessitaria de 140 anos para recuperação do “talhão” da onde foi extraída. Ora, 140 anos não são 30 ou 40 anos, os prazos de recuperação que costumam ser previstos nos planos de manejo legalizados. Então, é verdade, concordo com o Rezende, o manejo cria uma memória do que deu e não deu certo (à diferença do corte raso e ilegal), mas será que os prazos de recuperação para a floresta não estarão por demais pressionados pela avidez do mercado e dos lucros que ele promete?

O fato é que parece que estamos naquela: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Diz o Rezende – a quem, quero deixar claro, respeito e com quem sempre aprendo algo, pois me faz pensar – que “à medida que a floresta tem um valor econômico maior, ela tem mais chance de sobreviver”. Estamos na corrida contra o mercado capitalista, que avança sobre as nossas florestas (basta ver os números de Rondônia, que já teve mais de um terço de sua área total desmatada), e o manejo surge como a panacéia para todos os males: ele irá nos permitir explorar “sustentavelmente” a floresta, dar valor monetário à floresta em pé, conservar a floresta para as gerações futuras, e ainda ganhar dinheiro, ou seja, ter um retorno financeiro compensador pela atividade. Nada disso é certo, tudo ainda está por ser provado – na minha opinião. É uma aposta, de alto risco. Não sou, à princípio, contra o manejo, mas minha profissão e minha natureza me impedem de aderir de cara e incondicionalmente a uma proposta que, sei, encerra problemas de execução e assimetrias várias.

E até agora não falamos ainda das comunidades, do seu ponto de vista, do que ocorre nelas, e de como, para elas, esta parceria com o governo e as empresas se realiza. Se as pessoas que moram na floresta são a solução, e não um problema, como diz o Rezende, o que será que elas estão pensando disso tudo? Compartilho aqui das preocupações da minha amiga Débora Almeida, que se pergunta sobre, afinal, numa comunidade “de quem é o negócio da madeira”? Esta pergunta é relevante, principalmente se pensamos nas relações quase que inevitavelmente assimétricas que têm lugar numa parceria entre governo, empresários e comunitários. Que controle estão tendo as comunidades sobre o negócio? A execução técnica do manejo florestal pelos comunitários não parece ser o gargalo. Feito o inventário, identificada as árvores aptas para a derrubada, derrubadas as mesmas e transportadas as toras, bem, aí entra-se numa roda-viva (cadeia produtiva) cujo controle do comunitário é muito relativo. Além de cara, longa, sofisticada tecnologicamente e destinada a mercados fisicamente distantes, o processo de comercialização obedece a uma temporalidade outra, a negociações e contratos demorados, a pagamentos parcelados, colocam equações quase insolúveis para os cálculos econômicos que o comunitário faz para planejar o destino de seus ganhos no negócio. Talvez eu esteja generalizando por demais, talvez. Mas foi que vi quando estive numa área de “manejo florestal comunitário” no ano passado.

O tema é quente, desafiante e muito interessante. Acho que devo escrever algo mais extenso sobre isso, a partir do que sei e da experiência que tive. É, vou me organizar para isso.

6 comentários:

morenocris disse...

Interessante o seu post. Mariana, mora ai no Acre, um engenheiro florestal, blogger.
É o Marky Brito, inclusive é paraense. O link dele está próximo ao seu no crisblogando. No blog do Marky estão posts(vários), sobre o assunto. Ele bem que poderia passar por aqui e deixar um comentário. Nada, nada, é um especialista na área e trabalha ai, em sua terra. Falar de sua experiência(você), será bem melhor para ilustrar este post. Acho que terras indígenas são bons exemplos também.

Gostei do post abaixo, da palestra de seu amigo em sala de aula. Este semestre não estou lecionando, pois estou fazendo um trabalho de pesquisa que requer maior parte de meu tempo. Mas, quando estou em sala de aula, não tem outra, levo amigos palestrantes. Dava aulas de Pesquisas e sobre o funcionamento de rádio, jornal, tv e web. Claro, puxava também para a AI(Assessoria de imprensa), fora programa. Tirava meus amigos das redações e os colocava em sala de aula. Ah, eles adoravam. Levava os alunos também para as redações. Além de eventos da faculdade, de cultura, livrarias, encontros, enfim...as minhas aulas em sala de aula obedeciam um período de tempo, pois vivo mais intensamente nas experiências. Caramba, meus alunos ficavam loucos. Até hoje me perguntam quando volto. Não sei. Mas sinto falta. Eles me mandam e-mails, telefonam...é tão bom. Visitam os meus blogs. Não deixam comentários porque ficam com vergonha...bobagem! Mandam-me até imagem para colocar no blog. Quanto carinho. Consultam-me sobre os trabalhos de pesquisa que estão fazendo, TCC's. É muito legal. É gratificante. E depois, a minha relação com os meus alunos é de igual para igual. Aprendo com eles e eles comigo. Sabes, não somos meros repassadores de conhecimento. Somos provocadores, acima de tudo. E além do mais, somos provocados, constantemente. Que bom que você é professora também.

Olhe, sobre a sua disciplina, posso te mandar os jornais de Lúcio Flávio Pinto. São quinzenais. aproveito e mando também o do Marky. Estou lhe devendo isso. Mande o endereço da faculdade ou outro, se desejar. Será um prazer. Nem pense em dinheiro. Se você soubesse quanto custa o Jornal Pessoal...imagine, para mim o melhor jornal que temos por aqui!

Beijos.
Boa noite.

Aflora disse...

Cris, valeu os comentários todos! Jornal do Lúcio Flávio, que luxo, vou te enviar sim um endereço para remetê-lo, e agradeço desde já.

É, realmente dar aulas é a maior viagem. Tem horas que cansa, que dá aquela vontade de não ir, sabe, dias em que a turma está impossível, ou vc preparou tanto a aula e a galera não tá nem aí... Tem esses dias. Mas é uma oportunidade ímpar de estudar e aprender coletivamente. É muito frequente eu ler e preparar a aula, mas saber que só na hora, ali na interação mesmo, que as fichas vão cair mesmo para mim, que eu poderei, ao vivo e a cores, ir fazendo os meus esclarecimentos para a turma e para mim mesma. Adoro esta parte!

Abraço!

Anônimo disse...

Mariana, a madeira e sua exploração, é mais um componente dessa identidade da floresta, coisa interessante tal destruição em prol de um reconhecimento coletivo enquanto povo que exporta.

Aflora disse...

Madeira para comercialização e identidade, ou sentimento de pertencimento - como isso opera no nível local? Será que opera?

lindomarpadilha.blogspot disse...

Cara Mariana,

Se quatro toras tivesse, quatro toras venderia!!! essa é mesmo a lógica do mercado que vem fantasiada de benefícios e trás a desgraça. É preciso que tenhamos cuidado no manejo de nossos recursos para que amanhã não sejamos culpados pelo fracasso da humanidade.

Bom trabalho

Lindomar Padilha

Anônimo disse...

Oi Mariana, eu sou português,actualmente residindo em meu país mas trabalhei em Rio Branco justamente no ramo madeireiro, a serraria que apresenta em suas fotos é a Índia Porã, conheço bem, trabalhei do lado e me trouxe saudades recordar esse tempo maravilhoso que passei no Acre. Posso afirmar com toda a segurança, que existe sim extração ilegal no Acre, mas acredito nos números oficiais que apresentou, a grande maioria das serrarias que conheci trabalhavam com madeira de desmate ou de manejo, e na época em que era possivel retirara a madeira da mata só não tinha bombeiro perseguindo camião de tora.Como a senhora deve saber , tem inclusivie um plano do governo que envolve exercito ,marinha e aeronautica no verão para fiscalizar as extrações dentro da floresta, deve saber também que muitos dos escandalos que houve no estado, envolviam madeireiros que faziam venda de nota fiscal para outros estados, nomeadamente Rondónia,e Pará .Espero ter elucidado um pouco mais.Disponha sempre.

Fernando Cruz