Antonio Barbosa de Melo, o Roxo, nasceu no igarapé Manteiga, afluente do alto rio Tejo. Lá viveu toda a sua infância e juventude, morando com os pais, dona Esmeralda e o seu Ginú, irmãos e irmãs. Era seringueiro. No final dos anos 80, por intermédio de seu irmão, o Chico (do) Ginú, conheceu o antropólogo Mauro Almeida. Naquela época, Chico era bolsista de pesquisa num projeto do professor da Unicamp. Não escapou a Roxo alguns procedimentos de pesquisa, tal como anotações incansáveis no caderno de campo.
Anos depois, em 1993, quando Mauro e uma grande equipe iniciavam um extenso projeto de pesquisa na área, já decretada como a Reserva Extrativista do Alto Juruá, Roxo procurou Mauro: queria “fazer pesquisa”. Não sabia bem o que era, mas queria mesmo assim. Mauro lhe passou um caderno e Chico assumiu a “orientação” do irmão, em especial na checagem de seus escritos. Segundo o próprio Roxo, seus garranchos só eram decifráveis por Chico...
Roxo, que não é homem de desistir fácil daquilo que almeja, além de ser dotado de uma paciência que só posso atribuir ao seu bom coração, seguiu em frente com suas pesquisas. Aos poucos, por sua própria iniciativa e trabalho, foi se destacando entre a equipe de monitores que então começava a se estruturar na Reserva. Lembro nesta época que Roxo estava sempre por perto, ouvindo, conversando e nos acompanhando. Em 1993, quando uma equipe de antropólogas passou seis meses em campo, Roxo acompanhou uma delas, a Andréia Martini, em seu debut entre os seringueiros do igarapé São João. Nas nossas reuniões ele estava sempre presente. Enfim, Roxo iniciava-se como pesquisador.
Anos passaram, o Projeto de Pesquisa passou por altos e baixos, mas Roxo (assim como outros também) manteve-se firme. E mais firmeza ainda lhe foi exigida quando seu filho adoeceu de leucemia. Foram quatro anos de batalha, viagens e muito sofrimento. Roxo, que então já morava noutra localidade, na foz do Tejo, viu-se obrigado a mudar para a cidade de Cruzeiro do Sul para melhor assistir seu filho, que viajava periodicamente com a mãe para Goiânia. Era preciso trabalhar, arrumar recursos monetários para tantas viagens e gastos. Amigos pesquisadores apoiaram, mas Roxo também não ficou parado. Hoje o menino está curado, e o pai aliviado e agradecido.
Esta foto tirei hoje, em Cruzeiro do Sul, de onde cheguei há pouco. Roxo já há algum tempo tem um carrinho de lanche, e um ponto certo de venda: em frente ao Banco do Brasil. Ele mesmo produz os salgados e os sucos que vende, estima tirar por dia uma média de R$ 10 de lucro, descontadas já as despesas e a alimentação diária da família. Mas há dias que a venda é ruim, e a coisa toda fica mais difícil. Acho que Roxo ainda pensa em voltar para o seringal. Ele diz que continua fazendo suas pesquisas na cidade, observando o modo de viver e de ser das pessoas. É um entusiasta do Projeto de Pesquisa, e um sábio e sensato conselheiro. Ajudou-me muito quando coordenei atividades deste Projeto entre 2006 e 2007.
E Roxo também é, como não poderia deixar de ser, um pensador, um intelectual, mesmo um filósofo. Sua reflexão é delicada, fina. Aqui vai uma, intitulada “Pesquisador”.
Em 1993, na colocação Pão, passando a conhecer a Reserva Extrativista com Chico Ginú e Mauro, comecei a andar junto com os companheiros do Projeto de Pesquisa. Neste tempo aprendi muito mais, que não só tem o rio Juruá e o rio Jordão, tem muita coisa. Quando nós chegávamos nas casas das pessoas, e pessoal ficava espiando, pensando e tinha muita gente que perguntava: “Roxo, pra quê você está fazendo este trabalho?”. Eu respondia que não sabia. Muitas pessoas ficavam com medo porque não sabiam o que aquela pessoa estranha estava fazendo em sua casa.
Um comentário:
Mariana, concordo contigo. Conheço o Roxo e faço uns lanchinhos vez por outra, contribuindo para esse lucro de dez contos de reis que ele alega ter. Parabens pelo post, pelo reconhecimento claro de que os humildes têm muito em que contribuir também.
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