sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Uma assembléia no tempo II

Claro que Zé Augusto não é aquele mocinho que faz tudo sozinho e vence os bandidos. Primeiro porque ele não esteve sozinho: pôde contar com o apoio inestimável do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Marechal Thaumaturgo, liderado pelo combativo João Lima (seu irmão), e, principalmente, das comunidades de seringueiros e agricultores que visitou e que se uniram a ele na empreitada de retomar as rédeas da situação da Asareaj e da Reserva. Talvez não tenha ficado claro na última postagem, mas a Reserva encontrava-se numa situação de desgoverno. Não só pelo destino trágico da Asareaj – com seu presidente na cadeia, seu escritório de Cruzeiro do Sul fechado e sua estrutura na foz do Tejo totalmente destruída (na foto abaixo, restos arqueológicos do que um dia já foi um salão de reunião) – mas principalmente porque nos últimos anos todo o esforço de gestão participativa da Reserva foi colocado de escanteio, ou mesmo desestimulado.

Acabaram-se as reuniões comunitárias e as assembléias nas quais os sócios discutiam seus problemas e as soluções possíveis, planejando o futuro almejado. Práticas ilegais tornaram-se correntes, como a caçada com cachorros (“está liberta”, como vários moradores resumiam a situação), os desmatamentos na beira do rio, as pastagens (em especial no rio Juruá, mas não só) para gado que ultrapassam os limites permitidos pelo Plano de Utilização. Mesmo casos de retirada de madeira, na forma, por exemplo, de casas construídas na sede do Município por ex-moradores da Reserva ou de canoas para venda, passaram a ser relatados. Os antigos fiscais colaboradores, atuais Agentes Ambientais Voluntários, sentiam-se sem condições de trabalhar, principalmente pela não atuação complementar do Ibama, que da Reserva andava sumido há muito tempo. Assim, o Plano de Utilização, que pode ser descrito como a Constituição da Reserva, na qual estão gravadas suas leis mais fundamentais, parecia estar se tornando letra morta. Felizmente, para o desespero de muitos. Foi justamente este inconformismo que permitiu que a iniciativa de Zé Augusto, morador da foz do Bagé e com alguma experiência anterior na Asareaj, encontrasse terreno fértil.

No primeiro semestre deste ano, com apoio do STR, Zé Augusto percorreu, se não estou errada, 27 ou 28 comunidades da Reserva realizando reuniões comunitárias, todas elas com lista de presença e ata. Dessas reuniões emergia uma reivindicação: assembléia geral para eleição de nova diretoria da Asareaj. Foi com essas atas em mãos que, em agosto deste ano, Zé Augusto procurou antigos parceiros da Reserva: a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI), o Projeto de Pesquisa e Monitoramento e os Ashaninka do rio Amônea (estes institucionalizados na associação Apiwtxa e coordenando o Centro de Formação Yorenka Ãtame). Estes três parceiros – uma ONG, um programa de pesquisas colaborativas e uma organização indígena – estavam naquele momento, com recursos do Programa Arpa/Funbio, dando início a atividades focadas na gestão territorial da região do Alto Juruá. O apoio a demanda popular da qual Zé Augusto era portador foi conjuntamente avaliado como pertinente num contexto de necessário fortalecimento das organizações locais. Nesta mesma época, Zé Augusto, lograra viajar até Rio Branco e manter contato direto com o escritório do ICMBio/Ibama na capital acreana.
Em setembro do mesmo ano, em oficina realizada no Yorenka Ãtame, Zé Augusto compareceu com alguns representantes comunitários e o assunto foi novamente debatido. O presidente em exercício da Asareaj, o sr. Evandro, acabara de concordar em assinar um edital convocando uma assembléia geral para o dia 25 e 26 de outubro próximo. De repente o tempo ficou curto e a assembléia já estava no horizonte. Nesta conjuntura, dois fatos devem receber nossa atenção: candidaturas concorrentes começaram a pipocar pela Reserva, mas foram sendo localmente articuladas no esforço de uma chapa única encabeçada por Zé Augusto. Contudo, um candidato permaneceu independente. Conhecido por Domingos, este candidato a presidente da Asareaj, que já fora seringueiro no alto rio Machadinho (onde o conheci nos idos de 1994), tinha seus próprios apoios. Segundo relatos, entre seus apoiadores estaria o candidato a vice-prefeito pelo PMDB. O segundo fato a ser destacado é que justamente na semana seguinte o PT perderia a Prefeitura de Marechal Thaumaturgo para o PMDB.

Enquanto a política local esquentava, primeiro com as eleições municipais e, em seguida, com a proximidade da assembléia da Asareaj (já sendo divulgada no rádio), um esforço coletivo foi empreendido a partir de orçamento preparado por Zé Augusto e o sr. Antonio de Paula, ex-presidente da Asareaj e experimente em assembléias. Calculou-se que 400 sócios se fariam presentes. Ao final, quase na última hora, com a colaboração da CPI (pagamento de serviços locais, como cozinheiras), da Apiwtxa (combustível), do Gabinete do governador do Acre (combustível), do gabinete do deputado estadual Edvaldo Magalhães (combustível), da Rainforest Concern (combustível, alimentação), Prefeitura (infra-estrutura), Exército e Polícia Federal (segurança) e a doação de dois bois (pelo sr. Evandro e outra pessoa), alcançaram-se os recursos necessários a realização do evento. Observe-se que todo este trabalho não contou com o interesse ou participação do candidato que concorria com Zé Augusto, que se concentrava em fazer sua campanha na Reserva com apoios que só ficaram mais claros durante a assembléia.

Na próxima postagem, começa a assembléia!

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