quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Uma assembléia no tempo I

Há já algum tempo a Reserva Extrativista do Alto Juruá vem sofrendo com a progressiva desestruturação, ou melhor, descaracterização pela qual vem passando a associação local de moradores. Criada em 1990, a Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá (Asareaj) já conheceu dias melhores.
Nos dez anos que se seguiram à sua criação, enfrentando as dificuldades naturais de quando se está dando os primeiros passos, a Asareaj foi responsável pela condução do processo de consolidação da Reserva. Lembremo-nos de que trata-se da primeira Reserva Extrativista do planeta, e que o decreto que em 1990 regulamentou esta figura jurídica não era muito detalhista sobre como fazer para implantá-la. A Asareaj, nos primeiros anos junto com a representação regional do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS, coordenada por Antonio Macedo), e também com apoios diversos (Ibama, Cedi, Unicamp, Associação Saúde Sem Limites, CVA, organizações indígenas, entre outros), enfrentou com coragem seu ineditismo e seguiu em frente. Cadastrou os moradores, fez um levantamento sócio-econômico, votou e aprovou seu Plano de Utilização. Impossível dizer aqui tudo que ocorreu naqueles dez primeiros anos de Reserva, mas citaria, por exemplo, as unidades de produção de couro vegetal implantadas; o amplo programa de pesquisa e monitoramento que foi iniciado, e ainda vigora; os agentes comunitários de saúde que foram capacitados, estando hoje vários deles contratados pelo Município de Marechal Thaumaturgo, que na época, diga-se de passagem, ainda nem fora criado; os professores voluntários que trabalhavam em escolas construídas pela Asareaj.

Seguindo os estatutos, assembléias periódicas eram realizadas e novas diretorias eleitas, destacando-se nomes como Chico Ginú (antigo delegado sindical, ex-coordenador regional do CNS e hoje no ICMBio coordenando as ações na Reserva Extrativista do Riozinho da Liberdade), Dolor Farias (ex-seringueiro, liderança na criação da Reserva, talentoso mecânico e ferreiro, hoje morando na sede do Município), Milton Gomes da Conceição (líder d’os Milton, desde a primeira hora engajados no esforço de criação da Reserva), Antonio de Paula (veterano seringueiro, agente de saúde, contabilista e eternamento ativo nas lutas sociais), e Orleir Fortunato (ex-seringueiro, tesoureiro de muitas diretorias da Asareaj até sua ascensão à presidência, em 1999). Haveria outros nomes a serem lembrados, mas concentro-me aqui nas pessoas que ocuparam o cargo de presidente da Asareaj, alguns deles por mais de um mandato.

A entrada no século XXI, ao contrário do que poderia se esperar, representou um retrocesso para a Asareaj. O Projeto RESEX (recursos da cooperação internacional para Reservas Extrativistas) inundara a Reserva com várias ações, mas várias delas, contudo, acabaram sendo capitaneadas com fins eleitoreiros, o que ficou bem claro na assembléia da Asareaj de 1999. Nesta época, um outro paradoxo: a ascensão do PT ao governo do estado, em 1998, acabou por introduzir o componente partidário na luta e organização dos moradores da Reserva, com o tempo desviando a Asareaj de suas funções primeiras, quais seja: a defesa da Reserva e do interesse de seus moradores seringueiros e agricultores. Todo essse período é difícil de ser descrito num parágrafo, pois foram complexos e densos os processos que tiveram lugar. Políticas governamentais (municipais, estaduais e federais) terminaram estimulando a formação de pequenas “vilas” na Reserva, com o consequente abandono do modelo de “colocações”; as atividades agropecuárias entraram em alta em detrimento do extrativismo gomífero; a Asareaj passou a admitir entre seus sócios e assessores pessoas oriundas da sociedade local de ex-patrões, comerciantes e fazendeiros; e o Ibama, nos últimos anos, esteve quase que totalmente ausente da Reserva. Cooperação internacional, política partidária, urbanização, agropecuária, dominação neopatronal, ausência do poder público: posso estar exagerando, mas de alguma forma esses elementos compuseram o contexto dos últimos dez anos de história da Asareaj e da Reserva.

Há dois anos, contudo, um fato novo, novo e dramático: em 2006 o presidente da Asareaj, Orleir Fortunato (já em terceiro mandato por meio de alterações casuístas nos estatutos) foi preso por porte de drogas no aeroposto de Cruzeiro do Sul. Ainda hoje Orleir está preso. A notícia caiu como uma bomba na Reserva, abatendo a moral dos moradores, o que com o tempo foi se refletindo na própria dilapidação do patrimônio e imagem da Associação. A foto acima deve ser vista como uma metáfora dramática desta situação, e digo que hesitei bastante antes de colocá-la aqui. Os motivos que levaram Orleir a transportar drogas são, para mim e outros, desconhecidos, mas não deixa de causar estranhamento sua trajetória de seringueiro-diretor de associação à traficante-“mula”. Como este percurso tornou-se possível? Quem eram suas companhias? Em que esferas circulava? O que tudo isso tem a ver com a Reserva? São perguntas sem resposta. Hoje, soube, não sei se é verdade, Orleir tornou-se evangélico e, para o meu espanto, ouvi dizer que ainda tem liderança na Reserva, em especial no rio Juruá, onde concentrou sua atuação nos últimos anos de mandato. Se isso é verdade, como terá sido esta legitimidade construída a ponto de superar uma acusação tão grave quanto a que está enfrentando na prisão?

Com a prisão de Orleir, assumiu o vice, o sr. Evandro, sem nenhuma experiência prévia a frente de qualquer associação. E assim as coisas foram seguindo, a Asareaj parecendo uma espécie de carta momentaneamente fora do baralho. Em meados deste ano o mandato da diretoria eleita em 2005 expirou, mas nenhum esforço, que eu saiba, foi feito no sentido de convocar uma assembléia e realizar eleições para diretoria. Contudo, já em julho do ano passado, por ocasião da inauguração do Centro de Formação Yorenka Ãtame, coordenado pela Apiwtxa, na sede de Marechal Thaumaturgo, um homem procurava conversar com antigos aliados da Reserva e buscar apoio para mudar aquela situação.

Nas próximas postagens vou contar um pouco dos frutos do esforço desta pessoa, o Zé Augusto, morador do rio Bagé. Em particular, a Assembléia Geral que foi finalmente realizada no último fim de semana na foz do rio Tejo e que elegeu uma nova diretoria para a Asareaj. É emocionante, aguardem.

3 comentários:

Anônimo disse...

romance verdade

estamos aguardando...

Anônimo disse...

Gostei do suspense quanto a Assembléia...
Mas você tem responsabilidade com seus leitores e não pode ficar demorando muito feito a J.K. Howling (Harry Potter)
A seguir cenas dos próximos capítulos
Tchan, tchan, tchan
beijo

Cesário disse...

desculpa professora.
Boa Dedé
rsrsrsrsrs,

muito bom, extremamente importante, quase não possuo conhecimentos sobre as questões do juruá, e gosto de poder ser agraciado com estas, ainda mais quando de tão compromissada pesquisadora.

ate