terça-feira, 16 de outubro de 2007

A cidade e a floresta


Um arremedo de cidade no meio da floresta. Assim poderia ser descrita a vila Restauração, decretada enquanto tal em 1993 pela Prefeitura de Mal. Thaumaturgo, mas que só floresceu mesmo quando uma escola de segundo grau foi implantada lá, em 2005. Aí, rapidamente, as cerca de 12 casas que existiam lá desde o final dos anos 90 transformaram-se hoje em quase 100. Não há ainda um censo, mas Mariazinha, auxiliar de enfermagem, nos contou que entre 0 e 5 anos há aproximadamente 70 crianças na vila. A população deve girar em torno de 500 pessoas. Já é um grupo bom de gente. Imaginem que toda esta gente tem que morar, comer, beber, dar vazão as suas necessidades fisiológicas, tomar banho, lavar roupa. Toda esta gente consome e produz lixo também. E toda essa gente planta e cria, caça e pesca, tira madeira para suas construções e outros extrativismos.

Um núcleo com características urbano-florestais. Um sonho de cidade sonhado na floresta. A combinação, a meu ver, acaba ficando com um “quê” de inadequação. Quer-se viver na floresta tal como se na cidade? A sede do Município é isto desenvolvido, ou seja, expulsa-se a floresta, abrem-se ramais, terrenos para casas, coloca-se postes de luz, e no entorno colônias com pastos e áreas agrícolas. Expulsam-se as árvores e todos andam no sol...

Mas voltando a Restauração, saí de lá realmente intrigada com o que pensam os moradores da vila sobre seu local de moradia e o que sentem em relação a ele. Por que sair de suas colocações, muitas delas com anos de investimento familiar e fartura de alimentos? Por que vir morar num local reconhecidamente, e cada vez mais, “ruim de rancho”? Vir morar “apertado” e sem escolher os vizinhos quando o costume sempre foi justamente o contrário? A justificativa que se ouve é “a escola”, isto é, oportunidade para os filhos estudarem e, esta é uma esperança, terem um futuro melhor. Melhor do que o quê? Há tantas inversões aí...


Tomando de barato que a existência da escola é motivação suficiente para tanta mudança (acho que isso precisa de melhor investigação), a idéia de um futuro melhor encerra algo perverso: a desvalorização de saberes e práticas desenvolvidos ao longo de cem anos na floresta. Conhecer a mata, saber andar nela, rastrear a caça, identificar plantas para remédios, reconhecer uma boa terra para o plantio e saber como fazê-lo, zelar e trocar sementes, perceber os movimentos da natureza e a mudança das estações, e ainda saber tratar seus semelhantes, ser solidário, vizinhar, realizar adjuntos, saber “pegar menino”, e tantos outros conhecimentos e saberes que dizem respeito a vida natural e social – tudo isso parece estar perdendo o valor. Conhecimentos tradicionais? Lá os próprios protagonistas parecem ainda não saber que isso dá pano para manga...

O que é o futuro melhor? Ter um salário, parece, um emprego. Um emprego na floresta? Para viver na floresta agora precisa de salário? Isto tudo quer dizer que há desemprego na floresta? Disse-me Osmildo Kontanawa: - Disposição que Deus me deu para trabalhar: este é o meu emprego! Quase bati palmas. Mas é fato: o dinheiro penetra em todos os rincões, e está lá na Restauração, nos comércios que crescem, nas relações entre os moradores, no que antes era dado e agora é vendido. É preciso pensar melhor sobre tudo isso. É preciso agir também.

2 comentários:

Anônimo disse...

deixei de lado minhas opiniões para maquinar resistências...que tal...
se me alinhar como parte desse aparelho que tenta "resolver" o problema não vejo solução;
penso que me voltar contra ele seja o limite do que entendo por fazer ciência, onde passo a fazer arte, arte libertária de resistência;

comprovando o protocolo de aparelhos de captura do esquema reservas extrativistas vamos decifrar a ação das instituições com que o governo penetra nas reservas para determinar sua desarticulação;
dizíamos (e deveremos sustentar) que o discurso de culturas tradicionais servira estritamente como etapa para mapear uma grande diversidade de populações não detectadas no mapa;
a segunda etapa será a operação dos aparelhos de captura numa população já alinhada, já identificada;
esse discurso serve bem ao trabalho do socioambientalismo que consiste numa política de controle ao mesmo tempo ambiental e social;
a política ambientalista do estado se utilizou do discurso do social e do tradicional para potencializar seu poder;
no contexto da políticas sociais (de controle), chamadas políticas públicas, o ambientalismo soube se apropriar do socioambientalismo;

viva a liberdade !

amilton

Anônimo disse...

Daqui a mais alguns meses, inteiro os vinte anos de casado. Ah que meu matrimônio me dá coisas boas, senão que eu buscaria tais recônditos sem muita cerimônia. Fastio de cidade grande dura até passar uns meses na Restauração...aí o fastio vira saudade! Bom de se ver...bom de viver? Contaminado com os modelitos cidade grande, acho que é preciso nascer de novo. De preferência nas terras da Restauração.