domingo, 22 de junho de 2008
Pra onde caminha a humanidade?
Esta semana que passou fui ver um filme incrível - incrível e terrível. Chama-se "O Pesadelo de Darwin", e realmente cheguei a pensar em acordar daquele sonho terrível abandonando a sala de projeção. O filme, ou melhor, o documentário, de 2004, é do diretor Haubert Sauper, um austríaco que já rodou muito estudando, dando aulas e, claro, filmando. "O Pesadelo de Darwin" foi premiadíssimo em vários festivais, concorreu a Oscar de melhor documentário e por aí vai.
Tudo se passa na Tanzânia, numa aldeia, Mawanza, as margens do lago Vitória. Este, eu não sabia, é o segundo maior lago do mundo e acredita-se que ali foi o berço onde veio à luz a humanidade, ou seja, todos nós. Ali está também a nascente do Nilo. Pois bem, neste local repleto de densas referências, nos anos 60 do século XX, por razões que não ficam muito claras, foi introduzida uma espécie exótica no lago, a perca do Nilo. Este peixe, enorme, revelou-se um predador de marca maior, comeu todas as outras espécies e se reproduziu a valer no lago.
Além de um evidente desastre ecológico, tudo isso resultou num desastre humano, resultado da inserção de Mawanza na economia globalizada. A perca virou o carro-chefe da economia local, o que significou a instalação de indústrias de processamento de sua carne e transformação em filés para exportação para os países do Norte. Essas indústrias não pertencem a africanos, que são antes seus empregados. O transporte para os países compradores do Norte é feito em aviões russos que pousam e decolam sem parar, e que nos intervalos frequentam os bares locais. Suspeita-se que quando pousam trazem armas. Os moradores locais estão todos, de alguma forma, enredados nesta teia: os pescadores, muitos deles ex-agricultores do interior, pescam para vender para as indústrias; as prostitutas servem aos pilotos dessas aeronaves; as crianças moram nas ruas ou em condições muito difíceis; os doentes, nos acampamentos de pescadores, morrem de males como a AIDs. Todos, é o que parece, passam fome. O peixe é caro, então existe ainda uma subindústria dos restos dos peixes, cujas imagens são revoltantes - revoltam o espírito e o estômago. Só vendo.
Tem uma cena em que um pescador fala do tipo de "seleção natural" que estaria ocorrendo ali, na qual os mais fortes, que são os países do norte (que transportam e comem o peixe), subjugam os mais fracos, que são os próprios africanos, que extraem mas não usufruem de qualquer benefício significativo do seu trabalho. Antes parecem atrelar-se cada vez mais a dominação ali instalada. O vigia da indústria de filés ganha US$1 por noite, e sonha que uma guerra estoure, pois assim poderá ter um soldo e comida regulares. É um cara bem inteligente e com um intrigante sorriso quase permamente no rosto. Um rapaz, ex-menino de rua que conseguiu escapar do destino a ele reservado, vale-se da pintura para exorcizar a dura realidade e retratar o que acontece a sua volta. Crianças brigam por comida, se degladiam em torno de uma panela de arroz, e no final há aquelas chorando... Enfim, um pesadelo.
Mas o filme não é apelativo. Não, não se trata de sensacionalismo ou algo do gênero. Inclusive não há uma narrativa que vá conduzindo. Simplesmente as imagens e os personagens vão falando e o espectador vai montando o quadro todo. Há personagens humanas de muita força e sensibilidade. E há aquelas coisas que a gente fica até com vergonha, como uma reunião da IUCN ou do Banco Mundial (não que essas coisas sejam propriamente comparáveis) na qual aquela realidade tão crua passa ao largo da discussão toda.
Fiquei pensando na civilização humana, no que estamos construindo e legando. Aí sim fiquei com vergonha, e pensando no valor da vida, no valor de se viver neste mundo. É, foi meio forte a coisa. Recomendo.
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2 comentários:
Oi, Mariana. É como eu penso. Você não precisa ter uma teoria da natureza humana para ser contra o capitalismo.
Beijos.
No fim das contas, achei que fui meio pessimista... mas é que saí meio derribada mesmo do filme. Que civilização besta e perversa esta nossa, a capitalista!
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