quinta-feira, 26 de junho de 2008

Meirelles esclarece


A nota abaixo foi divulgada esta semana pelo Meirelles (acima, em foto feita pelo Altino Machado), coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, da Funai, e que tem estado no centro dos desdobramentos nacionais e internacionais da divulgação de fotos recentes de índios "isolados" em afluentes do alto rio Envira. O texto abaixo, divulgado no Terra Magazine, faz importantes esclarecimentos e reitera denúncias que vem sendo feitas sobre a atividade madeireira ilegal no Peru e o impacto sobre as populações nativas vivendo na fronteira. Vale muito a leitura.

Tendo em vista a Nota "Confirmado: No son peruanos los nativos fotografiados en territorio brasileño", emitida pela Oficina de Comunicaciones do Instituto Nacional de Recursos Naturales, a 13 de junho de 2008, e suas repercussões na imprensa escrita peruana e em diferentes sites da internet, e de informações desencontradas que resultaram da divulgação no Brasil e no exterior, de fotografias de índios isolados na região do rio Envira, no Estado do Acre, a Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira (Funai) vem a declarar:

A Funai mantém, desde o ano de 1987, a Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira (FPERE) cuja finalidade é proteger os povos isolados e seus territórios nas cabeceiras dos rios Envira, Tarauacá e Jordão.

Desde 1987 o coordenador dessa Frente é o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior. Durante esse período foram oficialmente reconhecidas e demarcadas as Terras Indígenas Kampa e Isolados do rio Envira e Alto Tarauacá. Em 2008, será demarcada a Terra Indígena Riozinho do Alto Envira, consolidando, pelo lado brasileiro, um corredor contínuo de 636.384 hectares de florestas, que se estende ao longo do paralelo de 10ºS, na fronteira com o Peru.

O monitoramento dessas três terras indígenas é efetuado por dois postos de vigilância localizados nos rios Envira e Tarauacá, de forma a evitar invasões por caçadores e pescadores nos territórios dos índios isolados. Além disso, expedições terrestres e sobrevôos são feitos periodicamente como parte do monitoramento.

No ano de 2004, durante um sobrevôo, além das malocas já conhecidas, foi identificado um novo conjunto de malocas na região do igarapé Riozinho, afluente da margem direita do rio Envira. Com base nas informações deste sobrevôo, é possível afirmar que, naquele ano, não existia, no lado brasileiro, qualquer presença de povos isolados nas proximidades do paralelo de 10ºS.

No início de 2006, a Frente constatou a descida pelo rio Envira de pranchões de mogno serrados com motosserra, marcados com as iniciais dos pretensos proprietários, bem como tambores de combustível e de óleo comestível, com marca peruana, o que então evidenciou a atividade madeireira nas cabeceiras do rio Envira, em território peruano. Este material chegou ao lado brasileiro pela cheia do rio Envira. A Funai possui esta documentação fotográfica. Em 2007 o mesmo fato ocorreu, embora a maioria dos pranchões fosse de cedro.

Em 2006, à época da descida dos pranchões, a Frente constatou, por meio de vestígios (rastros, caminhos, tapiris e visitas de índios aos roçados da Frente) e de contato visual, a presença, no igarapé Xinane, de um grupo de índios isolados com características distintas daqueles índios que até então habitavam a região de forma permanente.

Em outubro de 2007, durante expedição terrestre no paralelo de 10ºS, como rotina de vigilância, foram encontrados, nas cabeceiras dos formadores do igarapé Xinane, vestígios da presença de índios isolados, alem de terem sido ouvidos gritos dos mesmos. As coordenadas geográficas desse ponto foram registradas com GPS. Em início de 2008, por meio do Google Earth, constatamos uma abertura na floresta próxima ao ponto registrado durante aquela expedição terrestre.

No final do mês de abril de 2008 foi realizado um novo sobrevôo na região, durante o qual monitoramos os dois conjuntos de malocas anteriormente conhecidas: o primeiro, nas cabeceiras do Rio Humaitá e igarapés da margem esquerda do rio Envira; e, o segundo, nas cabeceiras do igarapé Riozinho, afluente da margem direita do rio Envira.

Durante esse mesmo sobrevôo, guiados pelo ponto de GPS marcado na expedição terrestre e pelas coordenadas da abertura obtidas por meio do Google Earth, foi confirmada a existência de duas novas malocas de índios nas cabeceiras do igarapé Xinane, próximo ao paralelo de 10ºS, em território brasileiro.

Essas malocas não existiam antes de 2004, quando do sobrevôo então realizado. As evidências de atividade madeireira nas cabeceiras do rio Envira, no lado peruano, dos vestígios constantes no igarapé Xinane e a ocupação recente (malocas e roçados novos constatados fotograficamente) permitem afirmar que estes índios são oriundos do território peruano.

As fotografias amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional, onde aparecem índios isolados, são do grupo das cabeceiras do rio Humaitá e igarapés da margem esquerda do rio Envira, que a Frente monitora há vinte anos, e são tradicionalmente habitantes do território brasileiro.

Outras dezenas de fotos das malocas dos índios isolados do igarapé Xinane, estes sim oriundos do Peru, foram encaminhadas à Fundação Nacional do Índio e não foram objeto de divulgação na mídia.

A Frente Envira protege quatro povos indígenas isolados, dos quais três têm hoje assentamento permanente em território brasileiro. Os Mashco-Piro também perambulam nas cabeceiras do Envira. Em 2004, cerca de trezentos desses índios se fizeram presentes na sede da Frente no rio Envira. Nos meses mais secos dos anos seguintes, novas evidências de sua perambulação foram constatadas. De nenhuma forma, portanto, os Mashco-Piro devem ser confundidos com os índios isolados há pouco chegados do Peru, estabelecidos nas cabeceiras do igarapé Xinane, em território brasileiro.

As informações já disponíveis demonstram que a presença de povos indígenas isolados na região de fronteira, em território peruano, não se restringe unicamente aos Mashco-Piro. A existência da reserva territorial Murunahua, destinada à proteção de povos em isolamento voluntário Murunahua, Chitonahua e outros, falantes do tronco lingüístico Pano, localizada no limite oeste do Parque Nacional Alto Purus e da Reserva Territorial Mascho-Piro, é uma evidência disso.

Por fim, a Fundação Nacional do Índio, torna pública a sua disposição de estreitar relações com os órgãos afins do Governo Peruano, com objetivo de implementar políticas articuladas para a proteção dos povos isolados e de seus territórios em ambos os lados da fronteira internacional do Brasil com o Peru.

Rio Branco, 27 de Junho de 2008

José Carlos dos Reis Meirelles Júnior
Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira (Funai)

2 comentários:

Noé disse...

Tema difícil, há tantas premissas que requerem uma discussão abrangente, há tantas carências...
Abr
Noé
http://consiliencia.blogspot.com/

Anônimo disse...

Meus parabéns ao ilustre sertanista José Carlos Meirelles pelo seu excelente trabalho em defesa dos povos indígenas da região amazônica. Deus queira que sua filha persevere no mesmo árduo trabalho, pois ambos representam o povo brasileiro amante da natureza e do meio ambiente sadio. Peço a Deus que os conserve muitos anos.
João Carlos Leal.