Começou ontem, na Biblioteca da Floresta Marina Silva, aqui em Rio Branco, o primeiro curso experimental de aprendizado por não-índios de uma língua indígena, no caso a falada pelo maior grupo indígena aqui do Acre, os Huni Kuin, mais conhecidos como Kaxinawá. Os Kaxi, como também podem ser referidos, somam hoje mais de seis mil pessoas, talvez até oito, e ocupam 12 Terras Indígenas, apenas uma delas ainda não regulamentada. O Hãtxa Kuin talvez seja a segunda língua mais falada no Acre.
A Biblioteca da Floresta faz parte da estrutura do Departamento de Diversidade Socioambiental (chefiado pelo Edgar de Deus, que está mais ao fundo na foto), que por sua vez integra a estrutura da Fundação Elias Mansur, a nossa Secretaria Estadual da Cultura. O curso experimental de Hãtxa Kuin insere-se numa proposta da Biblioteca de aprofundar o diálogo entre os saberes tradicionais e científicos. Mas da onde veio a idéia do curso?
Parece que de uma conversa entre o Elson Martins (dando uma gostosa gargalhada na foto), o Joaquim Maná (ao lado do Elson na foto), a Ingrid Weber e o Terri Aquino (no canto esquerdo da foto), e de uma idéia, explorada pela Ingrid no seu livro "Um copo de cultura" (Edufac/Nuti, 2007) de que estamos no "tempo da cultura": diante da crise do extrativismo e de alternativas consistentes para a floresta e seus moradores (humanos e não humanos), os povos nativos optaram por dar uma volta sobre si mesmos, ou, dito de outra forma, resgatar e revitalizar sua cultura. Danças, músicas, artesanato e a língua - além de bricolagens outras diversas, como disse o Terri - são manifestações que estão em alta entre os índios do Acre. E nós, brancos, como participar disso tudo? Veio então a idéia do curso: difusão da língua, valorização, revitalização. A Biblioteca topou, e o curso promete.
Nosso professor é o Joaquim Maná, morador da Terra Indígena Kaxinawá da Praia do Carapanã, que fica no município de Tarauacá. Joaquim é professor em sua Terra desde 1983, tendo passado por todo o processo de formação de professores indígenas da Comissão Pró-Índio do Acre; hoje é presidente da Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac). Joaquim é formado ainda pela Universidade Estadual de Mato Grosso, que tem um curso superior de formação de professores indígenas. Trabalhando junto com Joaquim e dando um apoio técnico na construção do curso - que, lembremos, é experimental - está a Daniela Marquese (na foto abaixo, ao lado do Joaquim), antropóloga desenvolvendo sua pesquisa de doutorado na TI Praia do Carapanã. Quanto a turma, das 40 pessoas inicialmente inscritas, 20 foram selecionadas. A composição é diversa: há professores e estudantes da Ufac (ciências sociais, história, direito, letras), técnicos do governo, gente da comunicação (jornalista, designer, radialista), gente da saúde indígena, de ONG. Ontem (dia 13), na abertura do curso, o clima era fraterno.
De fala mansa, Joaquim abriu o curso com um audiovisual de uma importante festa ritual de seu povo (cujo nome inadvertidamente não anotei), pondo-nos por cerca de dez minutos em contato com o universo de seu povo, ouvindo-os cantar e vendo-os na mata, pintando-se, cozinhando, dançando, brincando, olhando-nos de frente por meio da lente do fotógrafo, com seus rostos pintados com os grafismos dos kêne.
De minha parte, gostaria que o aprendizado da Hãtxa Kuin pudesse ser também a entrada no universo Huni Kuin, no mundo Huni Kuin, e assim a possibilidade de acessar outros mundos tão reais quanto o nosso. A linguagem como estruturante (como disse a Geovânia, que se mexeu na hora da foto e saiu desfocada na primeira foto) do que, para seus falantes, existe ou tem possibilidade de existir. Como está organizada a Hãtxa Kuin? Quais são suas regras internas de funcionamento para a construção de frases e de sentidos? E o que tudo isso pode ter a ver com a cultura Kaxi, com a maneira como este povo se organiza e se pensa?
Bom, não sei, estes assuntos de linguagem são meio novos para mim, o que é mais estimulante ainda. Talvez minhas expectativas sejam excessivas para um curso experimental, talvez. Mas, por que não? Teve gente, como a Cilene Farias, que quer sair do curso cantando na língua indígena e incrementando os folguedos do Jabuti Bumbá!
É um horizonte, uma esperança, cada um com o seu e a sua, junto com nosso professor e sua assistente, numa biblioteca no meio da floresta...
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