quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sobre tragédias e dependências

O Vale do Juruá está assolado por cheias: as conhecidas "alagações". Dá no rádio, na televisão, na internet. Há mais de 20 anos não se via algo nessas proporções. E como avisa um amigo, professor da Ufac, no momento em Marechal Thaumaturgo, o que mais impressiona é a velocidade com que as águas subiram. Marechal Thaumaturgo encontra-se hoje impressionantemente debaixo de muita água. Locais altos (e olha que o centro do município é num barranco medonho de alto!), estão quase atingidos pelas águas. Na foto acima, ao fundo vemos ainda a pista do aeroporto, estamos mesmo na foz do rio Amônea,e a placa que ainda aparece fica(va) no alto de um barranco. Casas estão submersas até quase seus telhados, muitas perdas para os moradores.

Este era o quadro que ontem ouvi num noticiário da Aldeia FM. Um membro da Defesa Civil, acho, ou da Prefeitura, já nem sei bem, falava das providências que se estava tomando para que as famílias fossem abrigadas, e mesmo alimentadas já que teriam perdido suas plantações e agora o poder público teria que garantir que tivessem o que comer.

Esta última parte me chamou atenção: o governo tem que alimentar essas pessoas, todas elas trabalhadoras, agricultores e criadores. Na hora não pude reprimir um pensamento: aprofunda-se a dependência dessas populações com relação ao Estado; perde-se em autonomia. Explico a linha de raciocício que me ocorreu:

Sempre houve alagações nos rios, sempre, desde que o rio é rio, e desde que as primeiras populações começaram a habitá-lo. Prefeitura, Defesa Civil, governo do estado & Cia. é que são coisas novas. Mas agora, imprescindíveis, ao que parece. O que mudou? Fico imaginando, e relembrando, pois lembro de uma alagação por volta de 1996 a que assisti no alto rio Juruá, que em tempos anteriores as casas eram de paxiúba e palha, e neste sentido mais, digamos, descartáveis, ou antes reconstruíveis. As criações - galinhas, patos e porcos, punha-se dentro de casa. Os roçados mais permanentes, sempre em terra firme, mais distantes das zonas alagáveis. O padrão de ocupação também era mais esparso, menos concentração de casas, de gente e menor impacto sobre o meio. As pessoas não tinham outra saída que não ajudar-se mutuamente.

Hoje, como conta o Marcus Athaydes, este amigo que falei há pouco, o desmatamento avançou incrivelmente, descascando a terra que, rapidamente endurecida por secas e usos inadequados, acabou perdendo sua capacidade de absorção das águas que caem e que enchem rapidamente a calha dos rios. Os rios também estão em processo de assoreamento, o que quer dizer que estão mais rasos. As pessoas moram mais juntas e usam mais intensamente o território: agricultura e pecuária implicam em desmatamentos. O gado, que fazer quando vem a alagação? Já pensou que loucura um boi dentro de casa? E agora as casas são de madeira serrada, do Incra, e o prejuízo, meu Deus, é grande. O que diz o contrato do Incra sobre alagações que destroem as casas? Tem seguro? As áreas mais distantes, onde ficavam os roçados, talvez estejam mais acessíveis a água, não sei, provável. Um monte de gente morando junto, privadas e lixo, já imaginou o caos quando vem a alagação? Enfim, parece que o modo de vida de hoje é bem menos sustentável do ponto de vista da alagação, que, por sua vez, ganhou força por todas as mudanças que este próprio modo de vida causou - e assim entramos na bola de neve.

Claro que o poder público tem que fazer o seu papel! Mas poderia ter feito outros papéis para impedir que chegássemos neste ponto, não? Mas que coisa louca: até eu estou me sentindo dependente do Estado!

2 comentários:

Anônimo disse...

abaixo o estado! viva a máquina de guerra nômade!!!

Marcelo Jardim disse...

Acho q conheço o autor do comentário acima...rs

Eita, seu desabafo me fez acordar tb. Por que tanta dependência, não é mesmo? Afinal, que alternativa tão interessante é essa pra tão rápido, tão largo e tão alto se tornar "imprecindivel"?