Todo o processo prospecção de petróleo, desde seu anúncio - não me recordo exatamente quando, mas lembro do então senador Tião Vianna (PT-AC) revelando uma articulação que já tinha pelo menos 4 anos de vida, pelo visto na surdina - tem sido saudado, com raras e honrosas exceções, como uma benesse; a imprensa local e a agência de notícias do Acre não se cansam de dizer o quanto a iniciativa é positiva e estaria cumprindo todos os procedimentos legais necessários. Os recursos econômicos (financeiros, na verdade) que o petróleo e o gás, se explorados, trarão para o estado são enaltecidos, e royalties a serem pagos às populações locais (indígenas em particular) cumpririam o papel de mitigar e compensar as mudanças de vida que certamente se farão sentir - e no caso dos índios o contexto mais geral é o da discussão sobre mineração em Terras Indígenas, agora a todo vapor no Congresso Nacional (nacional?).
Indiscriminadamente (intencionalmente?), reuniões de esclarecimento técnico por parte da Georadar, empresa que ganhou a licitação para a prospecção sísmica, são confundidas com "audiência" ou "consulta" públicas; há uma empolgação local diante de promessas de empregos e progresso; o complexo de isolamento e atraso, que parece assolar as cidades localizadas dentro ou nas margens da floresta, vem à tona com força; a idéia de que nosso desenvolvimento poderia seguir outros rumos a partir do nosso diversificado patrimônio natural e cultural (material e cosmologicamente falando) cai por terra diante da força avassaladora do "desenvolvimento econômico", da ganância de alguns e da estreiteza de pensamento de outros tantos; sem um movimento de oposição que reúna os povos da floresta, as iniciativas de resistência são, por um lado, taxadas de irresponsáveis e não representativas do conjunto (como de fato não poderiam ser), por outro lado, acabam entrando num jogo político cheio de faccionalismos.
E aí vem a entrevista com o Sevá nos lembrar sobre o que está por vir, ou mesmo já está por aqui. Originalmente feita para um jornal local, ela nunca foi publicada, e agora pode ser lida no blog do Altino, ou aqui, logo abaixo. Boa leitura. Lavou-me a alma, encardida de tanta conversa mole que ando ouvindo, ou esmaecida das conversas qualificadas que não se fazem ouvir.
* * *
REPÓRTER - Estou
com uma pauta sobre a autorização dada pelo Ibama para que a ANP
promova a terceira fase de estudos sísmicos para avaliar a possibilidade
de explorar a retirada de gás natural e petróleo em nosso Estado.
Gostaria de saber se o senhor, como um especialista no assunto que é,
conforme fui informado pelo coordenador regional do Conselho Indigenista
Missionário Regional Amazônia Ocidental, Lindomar Padilha, poderia
opinar sobre o assunto, o que pensa sobre essa exploração na região
amazônica, relatasse sua visão sobre essa intenção, que é baseada em um
projeto elaborado em meados da década de 70.
OSWALDO SEVÁ - Não
me considero especialista em prospecção sísmica. Mesmo assim é possível
comentar a situação. Sou engenheiro mecânico, com um doutorado em
Geografia, trabalhei durante 20 anos na área de Energia da Unicamp e
atualmente prossigo com os mesmos temas nas Ciências Sociais - onde o
meu foco principal é a situação dos grupos humanos atingidos e a
Natureza prejudicada pelas atividades industriais, mineradoras e de
produção de combustíveis e de eletricidade. Desse ponto de vista, é
lamentável que toda a Amazônia, incluindo os territórios de países
vizinhos, esteja no alvo da indústria petrolífera internacional, que
sabidamente é poderosa, anti-democrática, envolvida em guerras e em
atividades repressivas em vários países e cujos gerentes e engenheiros
costumam cometer desmandos e atrocidades lá onde a indústria decide
funcionar. Porque são funcionários a serviço de uma máquina que
desconhece limites e que irá até as últimas consequências para saber
onde tem e onde não tem petróleo, e, ao encontrar reservas com potencial
lucrativo, vai explorá-las intensamente e sem qualquer preocupação
séria com os moradores e com a Natureza.
Pela experiência que o senhor tem, qual a probabilidade de dar certo uma exploração desse porte na região?
Dar
certo quer dizer encontrar petróleo e/ou gás natural em quantidade
considerada atraente para a indústria? Se for isso, eu não saberia
dizer, pois essa resposta necessita de informações técnicas e geológicas
acumuladas e detalhadas, que, no momento, quase ninguém tem acesso.
Sabe-se que na região produtora entre os rios Urucu e Tefé tem muito
gás, e que o petróleo, que é retirado desde 1986, está se acabando;
sabe-se que no Baixo Vale do Juruá, na região de Carauari, tem muito gás
e já está sendo preparada uma exploração comercial ligando com o
gasoduto de Urucu a Manaus. Além disso, quem afirmar que no Sul do
Amazonas ou no Acre "será encontrado petróleo" está chutando, e, pior,
está querendo que isso aconteça porque vislumbra alguma possibilidade de
tirar proveito disso.
Poderia
indicar os prós e os contras de se executar um trabalho como esse em
uma área que em sua maior parte é composta por terras indígenas e de
preservação ambiental? Quais os principais impactos seriam sentidos de
imediato?
Essas
atividades vão atrapalhar, incomodar, e até infernizar a vida de muita
gente na região. Os levantamentos sísmicos significam que a poderosa
indústria petrolífera foi autorizada a desembarcar com seus homens e
equipamentos e que ali vai ficar por vários anos, tentando controlar
tudo e mandar na vida das pessoas. A mata será rasgada para campos de
pouso, estradas e trilhas; os sobrevôos, a circulação dos barcos e
veículos, os testes com bombas enterradas tudo isso vai afugentar a
caça, prejudicar as roças e a pesca; a movimentação de pessoas estranhas
na área vai gerar, como sempre, conflitos, aumento do alcoolismo, das
drogas, da prostituição. Se for preciso alterar a legislação, a
indústria conseguirá, para ser autorizada a prospecção em Unidades de
Conservação de Proteção Integral, como são os Parques Nacionais,
Reservas Biológicas e Estações Ecológicas. Essas áreas estarão
condenadas a nunca mais serem de fato protegidas. Nas terras indígenas
também são proibidas por enquanto as atividades, mas vão forçar para
fazer, lá dentro ou na faixa vizinha, "do lado de fora"; para os
nativos, vão ficar prometendo dinheiro, recompensas, serviços,
mercadorias, e até "trabalho" para eles, e "comissões" para a Funai.
Não tem retorno.
A
experiência executada em Coari, no Amazonas, em moldes parecidos, foi
positiva ou negativa? O que se pôde tirar de lição daquele trabalho? O
senhor produziu um livro sobre o tema?
Visitei
uma única vez por poucas horas a base produtora de Urucu, sobrevoei o
primeiro trecho do gasoduto e pousei duas vezes no aeroporto de Coari.
Não estou em condições de fazer esse balanço de prós e contras. Não
escrevi um livro, nem poderia, mas fiz uma serie de três artigos longos,
publicados na coluna do meu compadre Txai Terri Aquino em um jornal de
Rio Branco, em 2007, um deles em co-autoria com o antropologo Marcelo
Iglesias.
2 comentários:
"Quem for tatu que cave, quem for macaco que se atrepe".
Cara Mariana,
A entrevista, na verdade não seria publicada nunca, não fosse a intervenção do próprio Sevá. Não que a repórter em questão não o desejasse, mas, você sabe!
Parte significativa dos textos que tenho escrito sobre o assunto tem sido igualmente ignorada. Mesmo assim, penso que é de suma import^^ancia continuarmos dando voz às discirdância a bem da verdade sobre a exploração de petróleo e gás na Amazônia.
Bom trabalho.
Lindomar Padilha
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