domingo, 15 de setembro de 2013

Culinária é vida!

No último dia 13, 6a feira passada, recebemos para uma conversa a professora e coodenadora da Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac), Francisca Arara. Ela acaba de defender o seu TCC em Ciências da Natureza no curso de Formação Docente para Indígenas, na UFAC-Floresta, em Cruzeiro do Sul. Francisca, egressa do programa de formação da Comissão Pró-Índio do Acre, integra a primeira turma do curso, e seu trabalho foi orientado pela nossa colega Valquíria Garrote. Para um pequeno e atento público, Francisca contou do seu trabalho, que tem o título "A culinária Shawãdawa associada ao uso e ao manejo dos sistemas produtivos, da floresta e do rio".


O trabalho de Franscisa debate, por exemplo, com os dados oficiais que reportam a existência de "fome" e "desnutrição" em aldeias indígenas, elegendo-as como alvo de políticas assistenciais, tais como "sacolões". Francisca argumenta que a culinária tradicional shawãdawa sempre foi associada, pelos próprios índios, à fartura e riqueza. O "tempo antigo", como dizem, era o tempo da ausência de "preocupações", o território era como que infinito, vivia-se na abundância e sem angustiar-se com o dia de amanhã, ao contrário de hoje, quando o limite territorial é uma preocupação frente ao aumento da população e necessidades de uso dos recursos naturais. Por que não recuperar e por em prática o que a culinária e dieta shawãdawa já têm a oferecer como solução, em especial para a boa alimentação do povo?

O trabalho de Franscica é uma contribuição neste sentido, identificando e classificando os tipos de alimentos e seus locais de cultivo ou coleta, assim como seus modos de preparo. Mostra que, na verdade, estes recursos já estão presentes hoje na Terra Indígena, embora esquecidos ou abandonados pela influência de hábitos e alimentos externos e industrializados, como os que vêm nos sacolões: leite em pó, bolacha, óleo, açucar, feijão de fora da região etc. A segurança alimentar passaria então pela conscientização e reconhecimento da riqueza nutricional e cultural de que o povo shawãdawa já dispõe. Trata-se de uma ferramenta política, de autonomia, que já está ao alcance, independente de projetos e políticas assistenciais do governo.

A Terra Indígena Arara do Igarapé Humaitá, onde Francisca nasceu, se criou e trabalhou por oito anos como professora, tem 82.572 ha e fica no município de Porto Válter, no Alto Juruá acriano. O trabalho de Francisca enfocou uma das aldeias lá existentes, a da Foz do Nilo, onde vivem 30 famílias. Mesmo sendo uma membro do povo, Francisca cumpriu os ritos de pesquisadora, submetendo sua proposta de pesquisa à aprovação da comunidade e à assinatura de um Termo de Consentimento Livre, Prévio e Informado. Além da observação participante, Francisca lançou mão de diversos instrumentos de pesquisa, tais como visitas nas casas, em especial na hora das refeições, diários de alimentação, inventário dos plantios em hortas, roçados e sistemas agroflorestais, além de uma oficina culinária visando recuperar, e experimentar, pratos típicos da dieta shawãdawa.


Foi um prazer recebê-la, Francisca! Aguardamos a disponibilização do seu trabalho para poder então colaborar na sua divulgação.

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