terça-feira, 1 de novembro de 2011

Esse tal de manejo

No dia 11 de outubro passado uma carta divulgada após um encontro que discutiu as estratégias do "capitalismo verde" (como vêm sendo caracterizadas as boas intenções do capitalismo com relação a natureza, e todo mundo sabe que de boas intenções, pois é, o inferno está cheio) deu início a uma série de emails, manifestos, postagens, matérias de jornal  defendendo e atacando o referido documento. Trata-se da Carta do Acre, facilmente encontrável em qualquer busca no Google (por exemplo, aqui). Uma constelação variada de instituições (acadêmicas, ambientalistas, sindicais, núcleos, redes etc) assinam a mesma. O debate esquentou logo. As reações a ela podem ser, algumas delas, acessadas no site da CPI, do Página 20 e num blog.  O tema que pegou fogo foi o manejo florestal madeireiro, questionado em sua real sustentabilidade.

Objeto de discussão internacional há já algum tempo, o conceito de "desenvolvimento sustentável" aqui no Acre (mas não só, é claro) é usado "a torto e a direito", pela esquerda e pela direita. Recentemente ouvi numa brilhante palestra de um intelectual acreano esclarecendo que o que está em jogo é um desenvolvimento sustentável sim, o do capitalismo, ou seja, as estratégias de sustentar e garantir a continuidade (e incremento) da ordem capitalista que nos domina. E aí chama atenção a dificuldade que temos aqui no Acre em fazer essa discussão, logo aqui onde, com o "governo da floresta", lá nos seus primórdios, pretendíamos um outro desenvolvimento, uma espécie de ecodesenvolvimento. E aí, estamos vencendo a parada? Conseguimos nos manter íntegros nesta caminhada? Ou o barco está adernando, o mercado é mais forte e, por mais que lutemos, corremos o risco de naufragar em nossas propostas? Ou grupos menos interessados na conversa ambiental e na diversidade sociocultural estão no poder? A florestania, em sua concepção original filosófica, foi finalmente de todo descartada? 

Tema pra conversa é o que não falta. Talvez o que falte seja liberdade para pensar sobre o que não costumamos pensar, sem saber onde vai dar... A questão do manejo é complexa, e digo isso sem ser especialista no tema, embora conhecedora dos grupos tradicionais que vem sendo envolvidos nele. O capitalismo taí, na nossa cola, como fazer para mantermos a floresta? E aí o manejo aparece como solução irrecusável. Mas talvez o problema seja justamente o capitalismo, como estão gritando os manifestantes de Wall Street. Aceitamos o manejo pra viver menos mal sob o capitalismo? Já ouvi isso de alunos e amigos da engenharia florestal.

Desconfio desta formula, mesmo porque, para além do manejo, estamos mesmo queimando a floresta, está mais quente, as "mudanças climáticas" estão aí, é só conversar com seringueiros de Feijó pra saber que há deles que, quando vão cortar seringa, precisam levar uma garrafinha de água pra estrada pois os igarapés (aqueles de água friinha, que mesmo no verão estavam lá) agora secam. O manejo florestal não é algo técnico strictu sensu, embora envolva conhecimentos técnicos (que inclusive não deveriam ser inteiramente credidatos à ciência, como se os povos da floresta não a manejassem sem nós). Então não estamos tratando de algo neutro, o manejo tem também sua ideologia, implica uma ontologia sobre o que é a floresta, o que ali vive, como vive, o que fazer etc.

Talvez ele seja bom para as madeireiras (embora elas se queixem que os custos subiram muito), para os trabalhadores nelas empregados, para o governo. Talvez. Mas eu estaria interessada mesmo é no que percebem os diferentes seres que vivem na floresta de fato: índios, seringueiros, agricultores, castanheiros, onças, pacas, antas, macacos, tatus, nambus, surubins, mandins & cia. Nessa discussão, sinto falta de argumentos de um tipo de pesquisa, a antropológica, a etnografia, o nome que queiram dar, o importante é autonomia e qualidade. Pesquisa apoiada em trabalho de campo, daquele de ir lá morar um tempo, conversar com as pessoas, acompanhar in loco a vida na floresta, levar a sério o que os moradores da mata estão dizendo e avaliando, o que dizem sobre sua relação com a mata e os seres não-humanos, que mudanças percebem, como estão sendo afetados pelos empreendimentos madeireiros empresariais e também pelos comunitários, se estão felizes e satisfeitos, não só com dinheiro no bolso, mas com a vida mesmo. Esta conversa mais qualificada, ainda não vi acontecer.

2 comentários:

Marcus baiano disse...

muito bom o texto... também sinto falta dos antropólogos nas discussões... seus aportes são importantes... espero que esse texto anime os(as) outros (as)...

abraços

amilton disse...

mbora ouvir o que elas dizem...