O tema das Reservas Extrativistas parece estar de novo em pauta. Pelo menos é o que parece pela "Carta de Lábrea: o chamado da floresta do sul do Amazonas e norte de Rondônia". Gostei de ler e mais ainda de saber que os moradores de unidades de conservação tais como as Resex estão buscando formas de se fazer ouvir quanto à situação de gestão de seus territórios.
O documento informa que no mês de novembro, na cidade amazonense de Lábrea, ocorreu um encontro entre lideranças comunitárias, muitas delas membros dos Conselhos Deliberativos de 11 unidades de conservação de uso sustentável (Resex, Flonas, RDS e Estações Ecológicas), organizadas estas em 15 associações de moradores. O núcleo central das discussões expressas na Carta diz respeito à "gestão participativa".
Para seus signatários, a gestão participativa ocorre quando todas as decisões relativas as unidades de conservação de uso sustentável (ou seja, aquelas que contemplam legalmente a presença humana em seu interior) são tomadas a partir de uma consulta aos seus moradores. Em toda a Carta este aparece como o argumento irredutível.
"Infelizmente",
avaliam os signatários da Carta, "isso não está funcionando como deveria porque, na maioria das vezes, o ICMBio
decide tudo, atropelando os conselhos, sem levar em consideração a vontade das
comunidades." O orgão gestor das unidades é acusado de "abuso de autoridade, intimidação, desrespeito cultural das populações", marcando sua atuação por ações fiscalizatórias. A lentidão na elaboração dos planos de manejo das unidades, a falta de transparência na prestação de contas e planejamento orçamentário, excesso de burocratização dos procedimentos, falta de recursos para que os conselheiros possam efetivamente realizar o seu trabalho, entre outros, são apontados como problemas relativos a não existência de uma "gestão participativa". Por
outro lado, a Carta não põe só pimenta no olho alheio, como se diz, e
avalia também o que é um bom, ou boa, conselheiro, ou conselheira: aquele, ou aquela, que "dá
bons exemplos para que os comunitários não façam coisas erradas, que é bem
esclarecido(a) nas questões de tomada de decisão, bem participativo(a) nas
reuniões do conselho e em seu setor de trabalho, cumprindo portanto com seu
objetivo de porta voz do povo ribeirinho".
Fiquei "de cara" lendo a carta. De alguma forma ela expressava preocupações que já tinha ouvido de alguns pesquisadores (como eu mesma) logo após a promulgação do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), em 2000: em síntese, eram criadas novas condições para a criação e gestão das unidades de conservação de uso sustentável que ameaçavam a autonomia dos moradores e suas instâncias de representação. O poder mudava de mãos, contrariando o espírito no qual as Resex, por exemplo, foram criadas: fruto da luta dos seringueiros, uma área onde estariam "em casa". E quem manda na sua casa, como se sabe, é o morador. Claro, leis teriam que ser criadas, ou legitimadas, como em geral foi o caso dos Planos de Utilização, que registravam, agora com força de lei oficial, usos e costumes tradicionais. Claro também que tudo isso, para funcionar, supunha uma série de condições. No Alto Juruá tivemos oportunidade de checar tudo isso em ações de pesquisa e extensão ao longo dos anos de 1990, como também observar os efeitos dramáticos da parceria entre associações locais e o poder público (em todas as suas esferas) num contexto de abundância de recursos da cooperação internacional (Projeto Resex).
Claro que associações, orgãos gestores e instituições parceiras não são iguais em toda parte, e não se trata agora de sair crucificando potenciais culpados indistintamente. Não há culpados nem inocentes, mas uma questão - a da gestão desses territórios - a ser enfrentada. E isso tudo me reportou novamente a área que melhor conheço - a Reserva Extrativista do Alto Juruá - e sobre a qual gostaria de contar algumas coisas numa próxima postagem. Esta, por hora, vem saudar Lábrea!
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