quarta-feira, 11 de agosto de 2010

No Festival Pano 3

O Festival também teve alguns momentos mais formais, ou institucionais, como foi a passagem por lá da Shirley Torres, que já foi da Secretaria Estadual de Esporte, Turismo e Lazer, hoje concorre a uma vaga para deputada estadual. Shirley "falou pouco, mas falou bonito", como se diz, o que foi muito sensível de sua parte: não transformar o momento numa discurseira política.

E teve também a comitiva da Prefeitura de Marechal Thaumaturgo, que baixou por lá já nos últimos dias e foi recebida em alto estilo: no terreiro e com rapé! Foi uma passagem rápida, discreta e simpática. Na foto acima o prefeito, Randinho, está à esquerda de Haru, de blusa amarela. Quem está ali de blusa listrada azul é Isaac Ashaninka, secretário municipal de meio ambiente, um luxo!

Tivemos também a apresentação do IGF, o Instituto Guardiões da Floresta, entidade recém-nascida, fruto da articulação de jovens lideranças indígenas com profissionais diversos do sul, em especial do Rio, São Paulo e Brasília. Diversos deles estavam lá, e se apresentaram publicamente, num outro momento institucional do evento, digamos assim. O IGF é uma Ocip que tem em sua diretoria indígenas e brancos e pretende, pelo que foi lá dito, desenvolver atividades nos temas cultura e meio ambiente em terras indígenas.

Falou-se em fortalecimento, resgate, preservação. O Festival foi um primeiro projeto do IGF, um evento Pano, trans-étnico, trans-territorial. Uma pena o pouco tempo dedicado a discutir e entender melhor esta entidade - que encerra um misto de entidade de representação e de apoio - bem como o Projeto Corredor Pano, o carro-chefe do IGF. De toda forma, é gente nova no pedaço, com gás e vontade de fazer. Um conselho: explorar o território e as territorialidades vigentes por aqui, ou seja, chegar de mansinho, conhecer as pessoas, informar-se sobre o que já existe feito, produzido e experimentado, o que não é pouco!

Tivemos ainda a famosa reciprocidade, fenômeno magistralmente analisado por Marcel Mauss no início do século XX e que criou a máxima universal: dar, receber e retribuir - está criada a ligação que encerra espontaneidade mas fundamentalmente obrigatoriedade: eis a relação social por excelência! Pois é, teve isso lá. Foi a troca de presentes, onde o que menos importa é a igualdade do valor material ou monetário, e sim o valor simbólico no ato encerrado e nos presentes trocados. Seu Milton, por exemplo, trocou o livro (que escrevi) sobre sua família com Marcos, do Ministério da Cultural, que em troca lhe deu sementes de um projeto apoiado pelo orgão que ali representava.

Houve também um hasteamento de bandeiras, das bandeiras dos países ali presentes: além de nós, o Brasil, estavam também Canadá, Inglaterra, Espanha, Alemanha, Groelândia... O negócio foi pluriétnico mesmo. O corredor ali estabelecido unia brancos e índios de várias partes do mundo. Isso é muito legal.

"Uncle", como pronunciávamos o nome da liderança espiritual esquimó que veio especialmente para o Festival, foi responsável por vários momentos solenes. Seu canto ecoava pela floresta, um mantra poderoso, que levou um dos índios presentes a referir-se a ele como "o homem que esturrava". Ora, quem esturra é onça, um animal de poder no universo xamânico. Não é pra qualquer um esturrar! Lá no Groelândia, o animal sagrado é o urso polar. Tinha um cachorro que toda vez que passava em frente a imagem do urso, latia, latia, como que acuando o bicho, pode?

Uncle, cujo trabalho espiritual pareceu-me voltado para o culto dos antepassados, dirigiu um ritual da "tenda do suor": numa das praias do Tejo foi construída uma pequena maloca de barro e folhas, toda fechada. Uma fogueira foi acesa com pedras dentro, que deveriam, depois de quentes como o fogo, aquecer a maloca com o vapor da água sobre elas borrifada. Bom, não funcionou exatamente como o previsto. Subestimou-se o frio da floresta, e a tenda ficou no máximo quentinha. Participei do ritual, e gostei de ficar ali dentro, no escuro, com umas 20 pessoas, ouvindo o Uncle cantar e contar histórias. Muito linda esta presença do gelo na floresta tropical, esta aliança metereológica, este homem que veio do topo do mundo pra colaborar com os Kuntanawa na convocação de suas ascendentes.

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