quinta-feira, 5 de agosto de 2010

No Festival Pano 1

No final do mês passado, dia 25, tomei o avião para Cruzeiro do Sul. De lá, no dia seguinte, segui para Marechal Thaumaturgo, também de avião, agora pequenininho (uma aviãozinho), para, em seguida, num bote de alumínio, rio Tejo acima, ir em direção a aldeia Kuntamanã. Lá ocorria o I Festival Cultural Pano 2010.

Na passagem por Cruzeiro do Sul, tenho que registrar a ponte que está sendo construída sobre o rio Juruá, uma mega obra para as dimensões da cidade e que deverá reconfigurar todo o trânsito de veículos ali pelo centro da cidade. A chegada do progresso, dirão os mais afoitos. Soube que os imóveis do outro lado sofreram uma valorização monetária incrível, e já está caro morar lá. Moradores de mais posses estão adquirindo terras lá. E eu ainda lembro quando a gente olhava lá para o outro lado, onde estão bairros como o Miritizal, e tinha aquela visão bucólica de uma vida ribeirinha em frente à cidade. Enfim.

Chegando a Marechal Thaumaturgo nem mesmo subi na vila. O bote, já com o piloto, Dão, aguardava. Embarcamos combustível e o Hudson, que ajudava Haru Kuntanawa na produção do evento, e, por volta das 14 horas, partimos. Julho, poucas chuvas, o Tejo estava meio seco, com suas praias cultivadas (e cercadas devido ao gado solto). Mas nosso bote, com pouco peso, seguia veloz e com poucos encalhes. Mesmo assim dormimos em viagem, no Maranguape Velho, casa da dona Dulé, e no dia 27, as 9 horas, chegamos!

O Festival começara no dia anterior, e se estendeu até o dia 31. Foram, portanto, seis dias de atividades, em sua maioria de confraternização, como rodas de mariri no terreiro central, brincadeiras diversas, apresentações musicais, pescaria tradicional, troca de presentes, o ritual esquimó da tenda do suor e, claro, rituais com ayahuasca e o rapé. Conversas mais institucionais, sobre o projeto Corredor Pano e a recente criação de uma nova entidade - a Ocip Instituto Guardiões da Floresta, IGF - também ocorreram, mas não foram a tônica do evento. O objetivo principal parecia ser mesmo o encontro e festejo das dez etnias ali presentes (Kuntanawa, Huni Kuin, Yawanawa, Shanenawa, Shawãdawa, Jaminawa, Nukini, Marubo, Katukina e Ashaninka, esta do tronco Arawak) e seus convidados brasileiros (entre acrianos, cariocas, paulistas, brasilienses) e estrangeiros (que incluíam um "pajé" esquimó, ingleses, alemães, espanhóis, suiços). Todo este grupo totalizou algo em torno de 200 pessoas reunidas, além dos visitantes das imediações.

Pra contar um pouco o que presenciei por lá, farei uso de imagens e legendas para as mesmas.

Tive a felicidade de logo encontrar com dona Mariana e seu Milton que, junto com sua família, ocupavam uma das casas de palha que foram construídas para abrigar os visitantes (além de uma área para camping). Frequentei bastante aquela casa, que reproduzia, num espaço bem menor, o universo familiar que me é velho conhecido. Na foto acima, dona Mariana, a matriarca dos Kuntanawa, está sendo pintada com tintura de genipapo por seu neto Alexandre, o Xan, bisneto, portanto, da velha cabocla Regina, pega "à laço" nas matas do rio Envira nos idos de 1900.

Uma vista das casas de madeira e palha construídas para abrigar os presentes ao Festival. Simpáticas e confortáveis, formavam uma espécie de "rua", umas ao lado das outras, e onde foi possível estabelecer, ao longo dos dias, relações de convivência e vizinhança. Na barraca onde fiquei, estavam também Roberta Graf, do Ibama, e a delegação Marubo. Pude então reencontrar Sebastião, que não via há anos, e conhecer o sr. Eduardo. Nas vizinhanças estavam os Yawanawa, que logo fizeram uma espécie de "praça" em frente a sua casa e um fogo que frequentamente estava aceso e com gente reunida em volta.

Os Shanenawa, do rio Envira, também compareceram numa delegação expressiva, marcando uma presença forte no terreiro do Festival, sempre juntos. Cantaram bastante e era um grupo com que se podia contar para iniciar as brincadeiras.

Os Huni Kuin (Kaxinawá) também eram numerosos, do Jordão e do Humaitá. Suas cornetas de rabo de tatu eram como "vuvuzelas" pontuando os momentos de maior intensidade das cantorias e conversas. Bisku, do Jordão, liderou vários cantos e brincadeiras com um humor fino, embora eu e quase todos os brancos não compreendessemos suas palavras. Uma delas tornou-se um "hit" do Festival: "Shikitani, shikitani..." (?)

A participação Kaxi incluiu ainda fantásticas roupagens vegetais, feitas com folhas de palheiras. Tinha a impressão que ali, debaixo daquela sombra, devia estar mais fresquinho um pouco...


2 comentários:

Gleice Rezende disse...

Olá professora, você, como sempre, antropologuíssima!!! alíás eu gosto das suas crônicas e sempre que leio, me transporto para o lugar onde você descreve.
Um abraço saudoso dos bons assuntos de sala de aula.

Louise disse...

Mariana,
I love your writing! So observant, so intimate. I am very happy to see Dona Mariana and Seu Milton -- very happy! How wonderful.