É verdade, já faz um tempinho que voltei da viagem ao Alto Juruá, no ano passado... Mas tem coisa ainda pra contar!
Hoje quero falar do aniversário da dona Mariana, a esposa do seu Milton, matriarca dos Kuntanawa. Ela completou 80 anos de idade no dia 29 de novembro, um domingo. Cheguei na casa dela neste mesmo dia, na parte da tarde. Ela nem esperava mais a nossa chegada (do Caxixa, meu companheiro de viagem, e minha), mas foi como disse a ela: "eu não disse que vinha?!".
Na foto, Hilde, nora de dona Mariana e seu Milton, esposa de Cidoca (à esquerda), serve os presentes.
Não havia propriamente uma festa, mas a casa estava lotada de filhos, netos e bisnetos - uma algazarra! E reunir-se para a refeição é sempre o melhor pretexto. No chão mesmo, a moda seringueira e indígena. Panela sob o comando feminino, pratos em volta, as pessoas vão se sentando, adultos, crianças e até o papagaio chega junto. Muita conversa, risadagem, pratos que vão sendo compartilhados, em especial por crianças e mães e filhos.
Dona Mariana já não tem mais aquela saúde para chefiar a cozinha, e quem costuma fazer isso são suas noras ou então seu marido, seu Milton. Todo dia de manhã nosso "mestre cuca", como eu brincava, assumia o fogão e fazia um delicioso mingau de banana grande para nosso desjejum. Na foto acima está ele comendo o repasto, todo animado. "Menino sambudo", costumava dizer sua falecida mãe, dona Raimunda.
Mas falemos um pouco mais de dona Mariana, a "índia velha", como ela mesmo se definiu, nossa homenageada hoje aqui.
Tem passado os dias mais em casa, numa rede armada na cozinha ou então na sala. À sua casa então deve ir quem quer falar com ela, como o fez Nízia, moradora do Riozinho e que a procurou para tratar de "assuntos de mulher": dona Mariana é parteira renomada e conhecedora desses assuntos. Hoje, devido a idade e a fraqueza que sente, afirma não poder mais fazer o que sempre gostou, como mariscar e andar na mata. Sua caminhada mais arrojada é uma ida a um igarapé nas proximidades para tomar banho na hora do sol quente. Ela se queixa, mas sabe se alegrar também com as coisas do cotidiano, como as contas (sementes e missangas) que junta para fazer artesanato e dividir com seus netos e netas.
Sua mente é sã e do alto dos seus 80 anos e experiência de vida assiste seus filhos e netos refundando a etnia julgada desaparecida e da qual ela talvez seja uma das últimas descendentes diretas: sua mãe era Kuntanawa capturada nas matas do rio Envira.
Quando nos despedimos, a pergunta de sempre: "quando nos vemos de novo?". Não sei, dona Mariana, não sei. Quero crer que em não muito tempo. Hoje soube, por uma de suas noras, que ela está com malária e encontra-se agora na sede municipal de Marechal Thaumaturgo com o marido e deve ir a Cruzeiro do Sul. Vou ligar para eles hoje e tentar saber mais detalhes.
Saúde para a nossa índia velha querida, baluarte e tesouro Kuntanawa!
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