Depois de uma notícia triste que ficou aqui no blog por um bom tempo ("Luto"), a vida se manifesta novamente, aliás, sempre.
Passados 20 anos de sua criação, e dez anos da promulgação do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), no último dia 29 de abril foi criado o Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista do Alto Juruá, a primeira do Brasil e do mundo. A notícia merece aplausos. Não que, a meu ver, a estrutura de Conselhos Deliberativos, instituída pelo SNUC, seja adequada, tenho sérias dúvidas com relação a isso. Mas os louvores devem-se mais a forma como a coisa foi sendo articulada e feita ao longo do último ano, quando começaram os trabalhos de elaboração do Plano de Manejo da Reserva, agora na reta final.
A Reserva e sua Associação, para ser bem direta, entrou o século XXI "ladeira abaixo". Maior baixo astral, maior desmobilização, política partidária pelo meio, corrupção, presidente preso, a moral lá embaixo. Na Reserva, aquele clima de "tragédia dos comuns", desamparo e revolta. Dava aquela sensação de crise total. Mas, lição meio difícil, a crise pode ser produtiva, ela pode ser geradora de soluções inusitadas e criativas. Sempre há os resistentes, os esperançosos, os inventivos. E alternativas começaram a aparecer: comunidades resistindo a invasão de seus territórios, moradores partindo para o plantio de sistemas agroflorestais e recusando o gado, grupos resgatando sua ascendência étnica e querendo seu próprio território.
Enfim, no meio disso tudo sai o edital do Plano de Manejo. O Augusto Postigo, praticamente um doutor pela UNICAMP (defende agora dia 26), candidatou-se. O candidato ideal: mais de uma década de pesquisa na área, envolvimento com as comunidades, conhecimento de causa e compromisso, além de ser parte de uma equipe maior coordenada pelo nosso professor e orientador Mauro Almeida. Mas não é que a candidatura do Augusto não chegou às mãos do ICMBio! Mais uma peça que nos pregou "o sistema". Augusto insiste, sofre, mas consegue provar que tinha enviado a candidatura no prazo e faz valer o seu direito de concorrer. Não ficou (inexplicavelmente) em primeiro lugar, mas a Justiça de Deus não falta e o(a) ganhador(a) desistiu.
Roxo e Roberto, convocados por Augusto para "botar a mão na massa"!
Augusto foi convocado e, junto com Roberto Rezende (também UNICAMP e quase-mestre) e o Roxo (Antonio Barbosa de Melo, seringueiro-pesquisador merecedor de honoris causa) - ambos na foto acima -, montaram uma proposta arrojada, de ampla consulta as comunidades da Reserva. Levaram a sério a idéia de que o Plano deve ser "participativo". O povo do ICMBio xiou, tudo parecia meio heterodoxo demais, o processo, os itens orçamentários, mas, com muito malabarismos para liberação dos recursos e cumprimento da burocracia, atrasos de cronograma, o planejamento dos nossos valentes guerreiros foi aprovado. Tudo começou então em meados do ano passado, e até o momento, em duas etapas, cerca de 160 reuniões comunitárias foram realizadas em toda a Reserva, sendo seus principais facilitadores os monitores socioambientais da Reserva: moradores que vem trabalhando em pesquisa colaborativa com pesquisadores acadêmicos há vários anos, alguns deles há quase duas décadas.
Na reunião de criação do Conselho Deliberativo, Augusto fez uma exposição sobre o Plano de Manejo aos conselheiros empossados.
Neste meio tempo (abril do ano passado) a Associação da Reserva, também por uma criativa iniciativa local, realizou eleições e elegeu nova diretoria. Foi uma eleição cheia de polêmicas, como pude inclusive tratar aqui neste blog naquela ocasião. Mas a nova diretoria foi empossada, e chamada a participar do processo do Plano de Manejo. E agora, já neste ano, por outro lado, depois de anos e anos de dificuldades de gestão, foi empossado como gestor da Reserva pelo ICMBio um nome novo (no orgão e na região, mas não na experiência com o assunto), o Urbano Silva Jr. Ah, nada como sangue novo no pedaço, e sangue bom!
Taí o Urbano facilitando a 1a. reunião do Conselho Deliberativo!
Esta conjunção astral favorável resultou num Conselho Deliberativo eleito, os representantes comunitários indicados pelos moradores entre aqueles que já estavam colaborando com o Plano de Manejo nas reuniões e assembléias, e não estavam já em cargos eletivos (das Associações que já existem). Então deu um formato interessante. Gente nova e gente antiga, veteranos, com e sem experiência nesses afazeres institucionais.
"Foto oficial" do Conselho Deliberativo da Reserva!
Bom, o Conselho tem 23 membros, sendo 12 comunitários e 11 representantes de instituições relevantes no município em que a Reserva incide (Prefeitura, PF, Asareaj, Sema, Conselho Municipal, de Meio Ambiente, Exército, Ufac, STR, Seaprof, Yorenka Antame, ICMBio), cabendo a este último a coordenação. De acordo com o Regimento Interno aprovado, decidiu-se que o ICMBio não votará necessariamente nas deliberações, a não ser em casos de empate, o famoso "voto de Minerva". A reunião foi realizada na Câmara dos Vereadores, durou todo o dia, começando as 8:30 e fechando as 17 horas, com intervalo para almoço. Dou estes detalhes porque merece elogio a capacidade que o Urbano demonstrou em começar e encerrar os trabalhos no horário previsto, cumprindo toda a pauta e sem atropelar ninguém. Foi uma reunião produtiva, cheia de conteúdo, a altura do momento e da Reserva.
Vamos ver agora como vai ser este funcionamento e gestão compartilhada, num fórum que junta tanta gente diferente e que parece inverter um pouco a idéia inicial de criação da Reserva: a autonomia das populações na gestão do seu território. Mas vamos dar uma chance à experiência - ela deve ser soberana as nossas espectativas e especulações.
2 comentários:
Toda força ao novo Conselho!
Uma dúvida: terão recursos para esse povo 'conselhar', isto é, conversar com os moradores, fazer reuniões, encontrar esse povo de todas essas diferentes entidades??
Abração
Eliza
Eliza, na verdade, quem vem de fora mesmo do Município é o ICMBio, que está em Cruzeiro, embora Urbano esteja planejando temporadas em Marechal Thaumaturgo. O gasto maior é com os conselheiros mesmo, combustível para as canoas, e parece que a Reserva vai ter acesso a recursos do Arpa.
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