sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Um plano e muitas esperanças

Vieram então as apresentações dos grupos de trabalho, com seus mapas e relatórios. Já estávamos no dia 20, último dia da reunião.

Um a um, os oito grupos relataram suas conclusões, tendo a mão seus relatórios, ao final reunidos numa imensa pilha confiada aos consultores coordenadores do Plano. É muita responsabilidade, não? E a idéia é fazer com que este material esteja espelhado no Plano, seja uma base para as análises e propostas. Mapas detalhados, com verbetes inventivos, de tamanhos diversos foram apresentados e igualmente entregues à coordenação.

Tudo é realmente muito ambicioso. Por que digo isso? Porque fazer de um processo algo que valha o nome de "participativo" - palavra surrada no vocabulário de projetos e governamental - é algo que dá trabalho e requer muita, mas muita mesmo, paciência e generosidade para escutar e acolher o que o outro está dizendo. E tem horas que este outro diz cada coisa!

É sério. Por exemplo: parte das soluções encontradas pelos participantes lembravam uma "lista de compras" aos governos. E aí fica a pergunta: participativo não deveria estar aliado a uma perspectiva mais antonomista por parte dos moradores da Reserva, e menos alimentadora de dependências? Mas e aí, se esta solução foi a enxergada? Na verdade, nem tudo está perdido, pois em meio a este senso comum de demandar do Estado - coisa que, frize-se, não é privilégio das populações da floresta! - aparecem coisas como organizar cooperativas locais, comunidades chamando para si responsabilidades que já tiveram mas perderam, como a de fiscalizar e estabelecer leis locais. E assim vai-se construindo a "participação".

Ora, o consultor também é parte, então tem que dialogar com tudo isso, trazer novas idéias, fomentar demandas, mostrar aspectos que não foram tratados. Colocar as partes para conversar, como foi feito na última parte da reunião. O gestor da Reserva no ICMBio foi chamado a fornecer explicações (foto abaixo), o presidente da Asareaj (abaixo, à esquerda em pé) também, assim como secretários municipais. Compromissos foram publicamente assumidos, posições foram tornadas claras. Ilusões talvez tenham sido perdidas, o que não é ruim, ou é?

Pra finalizar, o evento e também esta postagem, um fecho de ouro. Um termo de cooperação técnica foi assinado entre a Asareaj e a Apiwtxa, tendo o ICMBio como testemunha e todos os moradores da Reserva presentes (muitos dos quais fizeram questão de assinar o documento como testemunhas). O evento foi muito aplaudido e saudado como um bom vento, um bom augúrio, uma esperança. Para alguns mais veteranos de toda a história (e aqui me incluo), a Aliança dos Povos da Floresta, muito significativa na região entre 1988 e o início dos anos 90, foi reeditada e atualizada. Simbolicamente, mas não só pois as consequências são também de ordem prática, talvez algo muito forte esteja em curso: um recuo no preconceito étnico, ou a abertura de uma brecha para uma nova visão de desenvolvimento e bem-estar, ou pelo menos o estabelecimento de um inesperado canal de conversas e interesses comuns.

Um gran finale, como disse, e esperamos que uma aurora promissora para o Alto Juruá.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Na reunião do Plano de Manejo

Quando cheguei os trabalhos já haviam começado. Estavam presentes mais de 100 representantes comunitários de 69 comunidades da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Foram poucas, cerca de 10, as comunidades ausentes, o que foi um excelente sinal. Todos já haviam se apresentado e o passo seguinte era partir para trabalhos em grupo, desta vez não mais por comunidades e sim por regiões da Reserva. Foram então identificadas oito regiões e as comunidades agrupadas nelas.

Partiram então todos para o trabalho: elaboração de um mapa com as comunidades assinaladas e um diagnóstico com os principais problemas e soluções para a referida região e, depois, num esforço de reflexão ampliado, na perspectiva de cada região, para toda a Reserva. Este trabalho consumiu o restante do dia 17 e ainda parte do dia 18.

No meio de tudo isso, as refeições e suas filas que não eram brincadeira mas com comida para todos,...

... explanações de professores universitários, como a Marta e o Edu, da UFAC-Floresta, sobre pesquisas colaborativas possíveis,...

e também cantorias dos artistas locais, que não são poucos. Este aí abaixo é o Valmar Calixto, grande compositor e intérprete do rio Tejo!

E uma coisa muito interessante: palestras e filmes dos coordenadores do Yorenka Antame, os Ashaninka do rio Amônia. Aí abaixo é o Benki Pianko, que acompanhou toda a reunião. Pra quem nunca tinha visto, ali estavam indígenas acolhendo seus vizinhos brancos em sua casa e conversando sobre alternativas possíveis para um desenvolvimento mais amigável para com a natureza e todos os seres vivos, inclusive os humanos. Tudo isso preparou o final da reunião para um gran finale, como será visto.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Já rio acima (com fotos)

Como disse, subi o Juruá de avião. Esta é uma vista da aproximação da cidade de Marechal Thaumaturgo, que deve ter hoje, não sei, mas uns 10 mil habitantes. A sede do município, que dá pra ver parcialmente na foto, cresceu muito nos últimos 10 anos.

Dá pra ver a pista onde pousamos, que já foi reformada não sei quantas vezes, e está novamente em reforma. De obra em obra vai ficando mais sofisticada: hoje já tem até uma casa de alvenaria e telha de barro, toda pintada e confortável, para os passageiros ficarem. Lembro de quando, por volta de 1993, a gente ficava mesmo era agachado debaixo de um arbusto para se proteger do sol esperando o avião que nunca chegava! (Bom, os atrasos seguem sendo de praxe). Depois teve a fase da casa de madeira, até que bonitinha, mas desmoronou com o tempo. Aí voltamos para um barracãozinho quente como o quê... E agora esta casa mais estruturada.

Nesta segunda foto, tem uma vista interessante: estamos do lado oposto da anterior, o avião já vai pousar, o município está a frente, vê-se a foz do rio Amônea, em frente uma praia saliente e na mesma margem da praia, assim à direita, telhados de algo que parece umas cabanas. É a Yorenka Antame, o Centro de Formação Saberes da Floresta - meu destino. Uma aldeia de frente para a sede municipal. Gosto desta imagem. Pois foi lá nesta "aldeia" pluriétnica que estava se realizando a reunião do Plano de Manejo. Mas isso fica para amanhã...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Subindo o rio...

Agora foi a vez de subir o rio, no caso o Juruá, do outro lado do estado. Só que de avião! Saí de Rio Branco dia 17, pausa de um dia em Cruzeiro do Sul, e viagem de monomotor para Marechal Thaumaturgo, no alto rio Juruá. Se fosse de barco, nesta época de rios secos, daria uns 3 a 4 dias; de aviãozinho, apenas 50 minutos cruzando do alto rios, igarapés, florestas e desmatamentos, em especial próximos a sedes municipais ou onde há áreas de fazenda. Claro que não se compara aos desmatamentos no entorno da capital e também de Cruzeiro, que impressionam. Aliás, quase pousando em Cruzeiro era possível ver colunas de fumaça das queimadas da época; era possível ver o aquecimento global acontecendo em ato! Não fotografei porque já estávamos naquela hora que nada pode ser ligado dentro da aeronave...

(Aliás, nesta postagem não tem foto porque estou sem o cabo para baixá-las. Então, quando voltar faço uma postagem só com fotos.)

Vim pra cá para acompanhar, num primeiro momento, as atividades de elaboração do Plano de Manejo da Reserva Extrativista do Alto Juruá, mais especificamente uma reunião ampliada de representantes locais discutindo problemas e soluções para a Reserva. O Plano está sendo coordenado pelo Augusto Postigo, antropólogo da UNICAMP, antigo colega de trabalho, que muito sabiamente recrutou para sua equipe outro antropólogo, o Roberto Rezende (também UNICAMP) e o Roxo, digo, o Antonio Barbosa de Melo, sobre quem já escrevi neste blog mais de uma vez no ano passado. Trata-se de um ex-seringueiro tornado pesquisador - um exemplo de perseverança, humildade e genialidade. Augusto, Roberto e Roxo, este bravo trio montou um plano de trabalho orientado para viabilizar, com recursos limitados e burocratizados, a máxima participação no processo todo por parte dos moradores da Reserva, que vem de anos de desmobilização e processos complicados (sobre os quais já escrevi há quase um ano).

O plano, em resumo, foi o seguinte: chamar a equipe de moradores-monitores-pesquisadores da Reserva (formada ao longo de anos de um trabalho liderado pelo prof. Mauro Almeida, da UNICAMP), orientá-los e delegar a responsabilidade de realizar reuniões comunitárias na Reserva nas quais foram escolhidos os representantes que hoje estão aqui nesta reunião ampliada. Foram cerca de 80 reuniões em uma semana, onde os desafios atuais e o futuro da Reserva foram tratados, representantes locais escolhidos e um dever de casa assumido: trazer para a reunião ampliada um relatório-diagnóstico de cada comunidade, o que já foi feito pelas próprias comunidades. São documentos incríveis e carregados de legitimidade, orgulhosamente trazidos e aqui apresentados. Rola um frisson no ar a muito não visto na Reserva...

Em suma, tá um agito bom por aqui. Agora estão ampliando a esfera, que de local-comunitária, passou a regional e geral, ou de toda Reserva. Representantes do ICMBio estão aqui, um vereador ou outro, professores da UFAC. Onde é aqui? Ah, sim, é no Centro de Formação Yorenka Antame, coordenado pela Associação Apiwtxa, dos Ashaninka do rio Amônea. O Centro é a grande boa nova dos últimos tempos nestes rincões amazônicos, difundindo e implantando experiências de agroflorestalismo e outras práticas sustentáveis, visando uma rearticulação das populações locais (indígenas e não) para defender um desenvolvimento adequado aos tempos que correm. Não é tarefa fácil, mas o que é fácil nesta Amazônia de meu Deus?

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Passeio na BR

Neste último fim de semana, querendo fugir um pouco da capital e descansar no interior, saímos, Zé Carlos e eu, rumo a Xapuri. Nosso objetivo: a Pousada Villa Verde, dirigida pelo Micheli, um italiano radicado nessas terras e casado com uma xapuriense, muito conversador e bom anfitrião. Vale com certeza ir até lá conferir. Mas aqui o objetivo é outro: contar o que fomos vendo ao longo do percurso, ao longo da BR 317, a nossa "transoceânica", que nos liga ao Peru e Bolívia, e que corta grandes extensões do que já foram um dia florestas maciças. Hoje, bom, ao longo da BR, no trecho Rio Branco-Xapuri, eis o que vimos:

Saindo de casa pela Via Verde, ainda em Rio Branco, logo topamos com o amigo aí na frente...


Da onde vinha e para onde ia? Boa pergunta. Paradoxal foi vê-lo numa via por nome "verde" e cruzando com a placa abaixo. Estamos realmente cuidando da vida, ou de que vida? A viagem prometia ser emocionante para uma reflexão desta ordem.


Ultrapassamos o caminhão e seguimos, logo pegando a estrada para o Quinary, que está sendo duplicada e que tem trechos incrivelmente mal sinalizados. Mas o asfalto, onde já foi colocado, impressiona, desliza-se suavemente. Velozes então seguimos, logo estávamos na BR 317, agora rumo a primeira cidade depois da simpática Senador Guiomar (ou Quinary): a deflorestada, segundo afirmam estatísticas que já li em algum lugar, Capixaba.


Logo topamos com o símbolo do desenvolvimento rural em São Paulo, na região conhecida como Califórnia Brasileira: cana-de-açucar, aquela que o Lula dizia que não ia chegar na Amazônia de jeito nenhum, só se passasse por cima dele. Parece que passou, pois depois ele alizou o discurso, e lá está a usina do Grupo Farias, que já teve mil percalços com o Ministério Público, não sei como está agora, mas a cana está lá, sim, senhor!


Não foi a primeira vez que passei ali, tenho fotos inclusive de quando a terra estava sendo preparada para o plantio. E todas as vezes sinto um incômodo: me sinto num Globo Rural. Isso, paisagem rural, e não florestal. E lá estão as castanheiras, sempre elas, que insistem em denunciar sua lenta e dolorosa morte; antes no pasto, agora no canavial. Sinto um cheiro de São Paulo, daquilo que por lá chamam "progresso", e que aqui ficam nos vendendo, com suas usinas, estradas, perfurações petrolíferas & Cia. Interessante ainda porque em alguns trechos, do outro lado do asfalto, lá estão seringueiras cultivadas, ou seja, que foram plantadas em algum momento da nossa história.

Não acredito que estejam economicamente ativas, mas estão lá formando um simpático bosquezinho e contrastando com o canavial em frente. Tentamos domar a floresta e, pelo visto, não conseguimos, e lá está um dos símbolos da colonização (e destruição) da Mata Atlântica: a gostosa cana, pois, admitamos, a bichinha é gostosa, dá garapa, rapadura, mel... e alcool, biocombustível do momento!

`Bora em frente!

Ah, sim, a eletrificação que acompanha a BR, torres e postes pra todo lado. Bom, deve ser bom ver a luz chegar em casa, substituir a lamparina, ligar a geladeira, a TV, o computador, deve ser bom, quer dizer, serão poucos os que dirão que é ruim. Muito poucos. Eu mesma, gostaria. O duro é quando a gente fica pensando da onde vem a energir que passa ali, como é gerada, se é limpa ou não. Sei é que aqui queimamos muito diesel para ter luz na floresta, ou no que resta dela. Contradições...

E o nosso bom e velho gado e as fazendas e pastos, que são A paisagem da BR. O povo do Rio Grande do Sul quando anda por ela deve achar o máximo, disse uma amiga gaúcha quando andou por aqui: tudo colonizado, domesticado, muita terra para criar e plantar. Não são só os gaúchos, né, que gostam desta paisagem. Nós, acreanos, também gostamos. Bom, eu não gosto, mas sou "acrioca"! Acho bucólico, não tenho nada contra os bois e vacas, muito pelo contrário, nem como a carne deles por respeito a vida e protesto contra a destruição da floresta e a mercantilização da vida desses animais. Só que fazenda, fazenda, fazenda, uma atrás da outra, é meio demais. A floresta? Bom, lá no horizonte, cada vez mais longe do asfalto, com pontos onde ela nem ao menos é visível. Meio demais, né?

Já dentro do município de Xapuri passamos pela fábrica de pisos e tacos. Imensa, chaminé com fumaça mas muito pouco movimento do lado de fora. Será que já estã realmente funcionando? Com que madeira? Bom, tá lá a bichona, toda bonitona, veja aí embaixo. Se alguém estiver mais bem informado sobre seu funcionamento, por favor, dá uma palhinha aqui no blog pra gente.

Finalmente, já na Estrada da Borracha, que sai da BR e nos liga a Xapuri, topamos com talvez a melhor notícia para a floresta nos últimos anos: a fábrica de preservativos Natex! Viva a borracha, pessoal! Fiquei com muita vontade de entrar e conhecer. Sou fã desta fábrica, que me parece uma solução inteligente para um produto que temos em abundância: ou seja, camisinha é sempre um bom negócio, o povo gosta de trepar, não tem jeito, e estamos em tempos de DSTs e controles de natalidade. Por outro lado, látex é o que temos para oferecer sem precisar de grandes mirabolâncias.

Bom, era isso que queria contar. Fiquei mesmo com vontade é de andar na BR 364, aquela que vai para Cruzeiro do Sul, rasgando florestas e cruzando rios. O que será que anda se passando ao longo dela?